sexta-feira, 8 de abril de 2011

Realengo, 07 de Abril de 2011

Ontem o Brasil teve, pela primeira vez, um massacre escolar, com um atirador sociopata invadindo e matando adolescentes indefesos na escola onde cursou o seu Ensino Médio. A presidente Dilma observou que não tínhamos essa "tradição" por aqui, e várias pessoas mais ou menos ilustres falaram sobre esse tipo de tragédia não acontecer em terras brasileiras.
O inesperado e o absurdo do espetáculo de violência gratuita fez a mídia buscar freneticamente todo tipo de profissional ligado ou não a esse tipo de evento para desfilar os seus palpites: uma educadora alertava para os vídeo games violentos; um filósofo para as falhas da comunicação humana; um psiquiatra chamava Wellington Menezes, o perpretador, o assassino em série, de psicótico; outro psiquiatra afirmava que o discurso do rapaz em seu bilhete suicida continha frases fundamentalistas islâmicas entremeadas de outras de conteúdo místico. O seu conteúdo seria "desconexo". Resumidamente, o chutômetro levado a status de esporte nacional. Todos se acotovelando diante das câmeras para dar o seu pitaco.
Durante essa Quinta Feira tive um dia cheio no consultório, estava sem internet e a história veio me chegando em pedaços, até se condensar em seu horror. Quando cheguei em casa, fiquei zapeando de canal em canal procurando pelo o que todos procuram diante de uma tragédia como essa: O que aconteceu? Por que aconteceu?
Uma tragédia como essa está sempre além de nossa compreensão. Cada um faz uma leitura pelo buraco de fechadura de seu sistema de crenças. Eu vou dar o meu pitaco, pelo buraco da fechadura da Psiquiatria.
O texto de Wellington não é desconexo. De forma alguma. O seu texto contém uma série de instruções detalhadas sobre o que e como fazer os preparativos e sepultamento de seu corpo. Quase uma erotização de sua própria morte. O conteúdo não é fundamentalista islâmico. Wellington passou a sua infância indo de porta em porta com a sua mãe, distribuindo folhetos de uma Igreja Protestante que ela frequentava. O texto tem uma influência evidente da linguagem do Velho Testamento. Ele determina, como um semi deus poderoso, todos os cuidados e proibições com relação a seu cadáver: ele deveria ser tocado por mãos puras, de pessoas que não pecavam contra a castidade. Se manuseado por pessoas impuras, as mesmas deveriam estrar cobertas com uma luva. O seu corpo deveria ser lavado, purificado e envolvido sem roupas por um lençol branco, que já levara para a escola e estava numa bolsa. Os mesmo cuidados que recebeu o corpo de Jesus após a crucificação. O bilhete não é desconexo. É assustador pela falta de necessidade de justificar de qualquer maneira o porque daqueles atos.
Wellington era filho de uma moça com problemas psiquiátricos, prima da senhora a quem chamou de mãe toda a sua vida. Foi adotado e criado como uma espécie de acompanhante dessa senhora. Era estranho e teve desde sempre sérios problemas de socialização. Os seus pais adotivos morreram nos últimos cinco anos. Com o seu suicídio ritualizado, pretendia se reunir à sua mãe morta, o único vínculo que ele formou em sua vida (pede expessamente para ser sepultado ao lado da cova em que sua mãe "dorme"). Matando as meninas bonitas que estavam deitadas, inermes, ele explodiu a muralha de silêncio que o separava do mundo. A morte foi a sua forma de fusão, a chance de chamar a atenção sobre a sua existência insignificante. Como muitos adolescentes ou adultos jovens que perpretam esse tipo de violência, Wellington passou uma boa parte de sua vida apartado socialmente, acumulando desejos e frustrações que gradativamente se transformaram em ódio e numa ação organizada e gélida de vingança. Ele sabia que só Deus poderia lhe oferecer algum perdão. Nós, humanos, não.

Um comentário:

  1. Concordo com vc,doutor...Mas nao podemos esquecer que dom ponto de vista social temos convividos com crimes hediondos e violencia descomunal....O Brasil esta se acostumando a viver com a banalizaçao da violencia.Acredito que depois desse episodio perdemos para sempre a inocencia....O Brasileiro nao e mais tao bonzinho.E este crime foi o divisor de aguas....Salve-ve quem puder.

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