domingo, 24 de julho de 2011

Amy

Naquele dia estava com a face mais tristonha, ela que sempre estava disposta a oferecer a sua alegria e atenção. Só não podia imaginar o motivo.
- Tudo bem?
Respondeu à pergunta retórica com um sorriso triste.
- Olha, eu sei que não é da minha conta...
- (Interrompendo) Querida, você precisa aprender uma coisinha.
Arregalou o olho.
- O que foi que eu fiz dessa vez?
- Você não fez nada. Apenas tenho uma dica para te dar.
- (Encolheu os ombros) Pode falar.
- Você está se formando em Psicologia, certo?
- Espero que sim.
- Você vai ter uma licença para trabalhar nessa área no ano que vem, certo?
- Certo.
- Então uma dica: a pergunta é seu instrumento de trabalho. Nunca peça desculpas por ter que fazer uma pergunta, nem comece com "eu sei que não é da minha conta". Se não é da sua conta, nem comece a pergunta.
Ficou com as bochechas vermelhas, o que já não contecia há algum tempo em suas conversas.
- Estava sendo educada.
- Eu não estou falando em ser educada. Você quer saber alguma coisa?
- Quero.
- Então pergunte.
Gaguejou de novo.
- Estou vendo que você não está bem...
- (Interrompendo, de novo) isso não é uma pergunta.
- Tá bom, cacete! (Colocou a mão na boca, assustada com a própria reação)
A outra parada, às gargalhadas. Suspirou fundo.
- Tata, você não está bem nessa manhã, em particular?
- Não estou muito bem, de fato. Obrigada por perguntar.
Dessa vez as duas explodiram numa gargalhada.
- Aconteceu alguma coisa que a chateou particularmente?
- Sim, aconteceu. Acabei de ver a notícia da morte daquela moça.
- Que moça?
- Aquela cantora magrela, Amy.
- Amy Winehouse?
- Essa mesmo.
- Você conhece a música da Amy Winehouse?
Dessa vez, ela realmente não gostou da pergunta.
- Não, meu bem. Sou uma velhota morando no asilo que não tem contato com o mundo!
- Não foi isso que eu quis dizer.
- Não?
Fez menção de se levantar.
- Olha, acho que hoje não é um bom dia e ...
- Desculpe.
Olhou ainda mais surpresa.
- Desculpe. Estou chata, mesmo.
- Vou fazer mais uma pergunta.
- Faça a pergunta sem anunciar, criatura!
- Ok.(Respirou). Ok. Uma pergunta idiota e óbvia: Você era fã da Amy? Uma grande fã?
- Eu amava e odiava o trabalho dela.
- Como assim?
- O primeiro álbum era um trabalho bonito, de alguém que parecia saber exatamente o que estava fazendo e aonde queria chegar. Depois eu odiava o que estava acontecendo: as bebedeiras, as internações, os escândalos, todo esse caminho que todo mundo sabia onde iria terminar. Todo mundo sabia que ela estava se consumindo em si mesma e, sabe o que é pior?
Seus olhos estavam fixos nela, mal respirava.
- O pior, querida, é que ela teve tudo: dinheiro, sucesso, os melhores médicos, os melhores hospitais e nada nem ninguém conseguiu que ela abrisse mão da própria morte. Você entende isso?
- Não entendo e acho que não vou conseguir entender. Tem gente que olha para a vida e simplesmente não consegue se atar a ela. Parece que estã pendurados na vida, esperando a hora de poder saltar para fora...
Olhou para ela, surpresa.
- Viu, não sou tão verde assim, heim?
- O pior é que eu fico com aquela música tocando na minha cabeça. (Cantarolou um pouco uma música da Amy Winehouse).
- Eu também estou com essa música na cabeça.
- Talvez esse seja um pequeno consolo.
- Como assim?
- Você usa muito essa expressão.
- Qual?
- Como assim.
- Como assim? (Risos).
- O que eu irira dizer é que quando a pessoa vai embora, se apagam um pouco as besteiras, os desencontros e fica essa voz bonita, tocando pela casa. É uma música atemporal. É como se o artista se apagasse, para a arte poder falar um pouco.
- Gostei dessa.
- Gostou?
- E olha que não começamos muito bem.
- Às vezes as melhores conversas não começam muito bem.
- Bom saber.

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