segunda-feira, 11 de julho de 2011

A Pedra

O psiquiatra suiço Carl Jung não tinha do que se queixar. Após uma infância pobre e uma adolescência de grande privação, quando perdeu o seu pai e conseguiu cursar a Medicina com a ajuda de um tio, Jung decidiu dedicar-se à Psiquiatria, uma especialidade nascente. Namorou e casou com Ema, herdeira de uma família de ricos industrais suiços, portanto os dias de aperto tinham ido embora, definitivamente. Jung trabalhou numa das mais importantes equipes psiquiátricas de seu tempo, com o Dr Bleuler. Foi essa equipe que cunhou o termo Esquizofrenia, que significa Mente Cindida, Mente Quebrada. Esse insight é confirmado até os dias de hoje pela moderna Neurociência. Mas Jung não estava satisfeito. Conheceu o trabalho de Sigmund Freud, encantou-se com a nascente Psicanálise. Naquela época, como hoje, isso podia significar a exclusão da Psiquiatria. Até os dias de hoje, a Psicologia Profunda, Psicanálise incluída, tem o estatuto de uma Pseudociência. Jung deixou a equipe do Dr Bleuler e foi se juntar ao Freudismo. Foi eleito por Freud o seu sucessor e tudo estava bem encaminhado, mas o homem não estava satisfeito. Discordava de Freud em quase tudo: a origem sexual dos sintomas, a natureza do Inconsciente e do trabalho do psicoterapeuta. Depois de muitas discórdias, Jung rompeu com Freud, mas a verdade é que foi expulso do círculo psicanalítico, como um pária, um leproso. A sorte é que sempre contou com amigos e amigas endinheiradas, que o ajudaram a construir o Instituto Carl Jung. Depois do rompimento com Freud, Jung pode desenvolver o estudo do Inconsciente Coletico, por ele descoberto. Mas o cara não tinha sossego. Começou a estudar a Alquimia Medieval e viu nela um paralelo com o nosso Desenvolvimento Psíquico. Tome mais descrédito, mais ironias, como chamá-lo até hoje Romântico, ou pior, de Místico. O fato é que Jung trouxe para a Modernidade os livros empoeirados daqueles magos que passaram séculos em seus laboratórios secretos procurando pela Pedra Filosofal, uma substância capaz de curar as pessoas e reverter os efeitos do tempo. Não por acaso que o primeiro livro da saga de Harry Potter é Harry Potter e a Pedra Filosofal, que Lord Voldemort tenta roubar de Flammel, lendário alquimista. Jo Rolling deve ter sido fiel leitora de Jung, e seus livros estão repletos de mitologias e busca interior. Como nossos consultórios.
A Ciência Moderna não sabe, mas continua procurando pela Pedra Filosofal, a capacidade de encontrar a substância básica da vida e vencer a Morte.
Para os terapeutas, a Pedra não tem essa característica mágica. A Pedra é antes de mais nada a Base Egóica, o que pode ou não separar os homens de seus primos primatas. A Pedra é nossa capacidade de tolerar frustrações, adiar a satisfação imediata de nossos anseios por projetos de longo prazo, melhorar as nossas capacidades a partir do duro aprendizado com os nossos erros. Essa é uma parte difícil de nosso trabalho, hoje em dia. O mundo virtual dá a muita gente a impressão de que a vida é recortar e colar tudo, nada demanda tempo nem esforço.
O terapeuta é o chato que continua mexendo no tacho para que a psique vá tomando forma, para que o sujeito seja sujeito da própria vida e da própria busca. Devemos tudo isso a aquele velho e teimoso psiquiatra suiço, que teve como principal compromisso a Verdade e a busca por entender o Sentido de nossa jornada arquetípica, que chamamos de nossa vida.

Um comentário:

  1. Olá dr. Marcos
    Como gosto muito dos seus comentários sobre filmes, gostaria de saber se o sr. viu o último do Woody Allen, "Meia Noite em Paris" que eu achei sensacional e acho que uma análise sua seria fantástica.Acho que tem bastante material alí para ser analisado. No aguardo..obrigada
    Ana

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