sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Mente Alerta

- Podemos começar daí, então ?
- Daí, onde?
- Você me falou que a luta pelo direito de ter plantas, ou bichos, aqui na casa de repouso teria um título.
- A Mente Alerta?
- Isso.
- Posso começar por aí, então?
- Claro.
- O que tem a ver esse título bonito com as plantas e a sobrevivência?
- Tem quase tudo a ver. Quando lutamos para cuidar de coisas vivas, estamos fugindo da miséria.
- Miséria?
- Miséria. A pior de todas.
- E qual é, para você, Tata, a maior das misérias?
- A maior miséria que alguém pode ter é não amar.
Parou por alguns momentos, um pouco surpresa com a resposta mas ainda assim sem penetrá-la. A velha senhora e entrevistada notou a reação, ou a falta dela, mas continuou seu raciocínio.
- Você assistiu ao último Harry Potter?
- Qual?
- O último da série, que encerra a saga.
- Não assisti, não.
- Você gosta de Harry Potter?
- Mais ou menos.
- (Torceu o nariz para o "mais ou menos") Preste atenção, se você assitir o filme, à última frase que o professor Dumbledore fala para Harry Potter, sobre os mortos.
- Pode falar, que eu vou demorar para ver esse filme.
- Você sabe, pelo menos, quem é o Professor Dumbledore.
- (Riso Amarelo)Sei. Mas ele não morreu no outro filme?
- Você vai ter que ver o filme para saber isso.
Balançou a cabeça, contendo o sorriso com um mordiscar de lábios.
- A frase você pode falar, para alegria de nossos ouvintes?
- Dumbledore fala para Harry Potter: " Não tenha pena dos mortos, tenha pena dos vivos, principalmente dos vivos que não sabem o que é amar". Gostou?
- Gostei.
- Você está se perguntando o que isso tem a ver com a Mente Alerta, não é mesmo?
- Na verdade eu estava me perguntando o que isso tem a ver com as samambaias (risos).
- (Rindo junto) As pessoas daqui, ao contrário das pessoas de fora, tem uma coisa rara hoje em dia, que é o tempo.
- Sim.
- Não gastamos o tempo com I-Pods, computadores e nem teve temos TV a cabo. Podemos cuidar de coisas. As pessoas passam o tempo todo chorando pelos cantos que não recebem mais uma coisa importantíssima para elas.
- Que seria?
- Atenção. Elas não tem mais atenção de ninguém. O café da manhã é largado aí na mesa, a enfermagem empurra os remédios sem conferir direito, as famílias vem visitá-las olhando para o relógio. A sensação mais dura da velhice e desse lugar não é a decadência física, não senhora. É a falta de atenção, mesmo.
- Aí que entram as samambaias?
- Isso ! Aí que entram as samambaias.
- As samambaias vão dar a essas velhinhas a atenção que elas precisam...
- Não pense que não notei a ironia, mocinha.
- (Risos) Estou melhorando, não estou?
- Pode ser...Pode ser...Mas eu falava de samambaias. O truque aqui é o mesmo que lá fora: em vez de passar o tempo chorando ou esperando pela visita de netos gordinhos e desinteressados, podemos voltar a ter a mente alerta. O truque é fácil: em vez de tentar chamar a atenção, que tal dar atenção para as coisas? A questão é: como mudar a orientação das pessoas que só se preocupam com o própio umbigo?
- De todas as idades?
- De todas as idades.
- Você acha que elas podem dar atenção para as coisas vivas, como as samambaias.
- Como as samambaias. Isso pode até mudar o título de seu TCC.
- Lá vem você.
- (Risos) Lá venho eu. Que tal o título: " O Amor e as Samambaias".
Risos.

Um comentário:

  1. "Quando lutamos para cuidar de coisas vivas, estamos fugindo da miséria." Sensacional!!!!! Depois de ler isso só poderia citar Clarice Lispector: "...Todos os dias, quando acordo, vou correndo tirar a poeira da palavra amor..." A.M.

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