domingo, 17 de julho de 2011

Paciente 46

Olhou debaixo de seus óculos tímidos. Falou com a voz tremida, com medo de gaguejar.
- Podemos começar, então?
Sorriu, com uma expressão entre a ternura e a graça.
- Deixa eu entender uma coisa: você é uma estudante de Psicologia.
Assentiu.
- Você está procurando por um tema para o seu trabalho de conclusão do curso.
Ficou discretamente ruborizada, como criança pega fazendo arte.
- Estou querendo entrevistar pessoas que falem sobre a melhor idade.
- Melhor idade para quem, minha filha? Melhor idade para fazer excursões de terceira idade?
Encolheu-se na cadeira.
- Você quer fazer entrevistas sobre a velhice, é isso?
- Não! (Desta vez, respondeu de pronto). As pessoas da clínica me indicaram você, justamente porque é a cabeça mais jovem daqui. Você é alegre, ativa e brinca com todo mundo.
- Você vei descobrir os meus segredinhos, então?
Ficou com as bochechas coradas, de novo.
- Sabe, querida, eu fico muito feliz de conversar com uma estudante de Psicologia, nem achei que ainda existisse Psicologia, pensei que os terapeutas tinham sido substituídos pelos gurus de autoajuda.
- Não está faltando muito.
- Pois é. O fato é que eu vou me divertir muito com essa entrevista, mas preciso só de uma coisa.
- Pode falar.
- Eu preciso que você não me trate como uma velha. Não use eufemismos, nem meias palavras, nem tente evitar de me causar algum fricote ou mágoa de velhinha. Combinado?
- (Com os olhos arregalados) Combinado.
- Que bom. Por onde você quer começar?
- Pelo seu nome e idade.
- Sem nomes e sem idades.
- Como assim?
- A sua entrevista é para abrir questões, não é? Não é um estudo de caso. Eu não sou um caso.
- Mas você tem um nome, não tem?
- Tenho. Aqui na clínica eu sou a 46.
- Como é?
- É assim que os médicos me chamam, a mulher do 46.
- Eu não sou médica.
- Mas o seu pai é, não é mesmo?
Abaixou a cabeça, como se atingida por um tapa. Tomou fôlego mesmo assim.
- Eu vou te chamar de Tata.
- Quem é Tata?
- Era assim que eu chamava a minha avó. Pode ser assim?
- (Apaziguada) Pode.
- Mais uma coisa.
- Sim?
- O meu pai é diretor dessa clínica. Isso me ajudou a ter acesso a você, por exemplo. Mas eu não tenho nada a ver com o jeito com que ele dirige esse serviço, beleza?
- Belê.
Houve um silêncio meio tenso, antes de explodirem, juntas, numa gargalhada.

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