quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Semi Dizer

Eu prometi que não ía mais mencionar o filme "A Origem". Prometi, mas não vou cumprir. Agora esse filme está passando na HBO, na TV a cabo, permitindo que eu reveja alguns pedaços antes de enjoar e zapear para outros canais, de preferência uns dois ou três programas ao mesmo tempo. A passagem que eu vi ontem é de Cobb, o personagem de Leo di Caprio conversando com Eames, um astuto engenheiro do ramo da invasão dos sonhos alheios. Cobb fala da Incepção, uma operação psíquica de inserir uma idéia dentro do Inconsciente do sonhador para que ela vá ganhando vida e se multiplicando, até passar a definir todo o sistema de crenças do sujeito.
O meu filho estava vendo um DVD do Dom Casmurro, baseado numa primorosa série da Globo, mostrando que há vida inteligente na TV aberta. Bentinho é interpretado por um ator que lhe dá um tom farsesco e tragicômico, em algumas cenas ela tira a maquiagem como se fosse um palhaço. Palhaço da própria miséria, da vida esmagada pela dúvida e pela mágoa da mulher que o traíra em seus pensamentos, Capitú. Para quem não lembra, Dom Casmurro é um dos maiores clássicos da literatura brasileita, do inacreditável Machado de Assis. Antes de Freud, antes de Jung, Machado descreveu a trajetória de uma paranóia amorosa, um homem que é possuído pela idéia que a sua esposa, a misteriosa Capitú, tinha lhe sido infiel com um amigo, Escobar. Nunca saberemos se Capitú realmente traiu Bentinho, nem isso é importante. O romance descreve como a idéia da traição vai crescendo e envenenando a vida de Bentinho, afastando-o de sua mulher de seu filho e da sua vida. Dom Casmurro é o apelido que recebe, Camurro é um termo antigo para uma pessoa amarga, macambúzia, isolada de todos pela amargura. Bentinho termina os seus dias só e miserável pela idéia que o possuiu como um encosto. Ele próprio fez essa inserção, e a idéia foi crescendo, crescendo, até destruí-lo. E olha que Machado de Assis nem foi ao cinema.
Na cena de "A Origem", Eames não duvida que a Incepção é possível, mas ensina para Cobb que é uma arte muito sutil. Se tentar enfiar goela abaixo do Inconsciente, ele vai rejeitá-la. A idéia pode apenas ser delineada, sugerida em cada nível de sonho que entrarem, para ir ganhando vida dentro de Robert Fischer.
Lacan dizia que o analista não deve invadir a sessão do paciente com a sua fala, dizendo coisas que impeçam o paciente de tirar as próprias conclusões. Pode no máximo semi dizer, para levantar a bola que o Inconsciente analisado vai, ou não, cortar. Essa é a arte que Eames vai ensinar a Cobb: como sugerir gradativamente a idéia que vai ser implantada e se reproduzir naquela psique como um vírus. Assustador, não? Será que esse roteiro foi escrito por um psicanalista ou um publicitário?

Um comentário:

  1. Sei não...
    Acho que esse roteiro foi escrito pelo Cérebro, que quer dominar o mundo!!! (Lembram -se de Pink e Cérebro? ).Rs,rs.
    Dr., não cumpra mesmo sua promessa!! Esse filme tem muito a explorar .
    Eu me lembro de D. Casmurro.E creio que a leitura nos prende por ficarmos identificados com a evolução do processo.Observar a idéia fermentar na mente de Bentinho, assim como temos nossas mentes fervilhando tantas vezes com algumas idéias.
    Bem...com a sutileza com que o Inconsciente trata os assuntos, posssíveis sementes, semear esse "solo" tão fértil, regar, cuidar, cultivar, parece ser o caminho. Sutilmente, displicentemente.
    Faz sentido.Mesmo que meio inconsciente ou empiricamente.

    Abraços,
    Sonia

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