segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Sonho e a Cura

Desde os tempos bíblicos que os sonhos são vistos como um portal de consciência e de previsão de futuro. Há uma história bíblica belíssima sobre essa capacidade: os filhos de Isaque, enciumados, venderam o seu irmão caçula, José, como escravo no Egito. Ele era o preferido de seu velho pai. José acabou preso por outros problemas e na prisão, interpretou o sonho de um preso, revelando o seu futuro. Quando esse preso foi reabilitado, contou para o Faraó das capacidades de José. Ele previu que o Egito teria sete anos de abundância, seguido de outros sete anos de secas. O Egito se preparou durante os anos de fartura e atravessou assim os anos de seca. Pensando bem, nos dias de hoje José iria fazer muito sucesso trabalhando nas bolsas ou no FMI, só analisando os sonhos da galera.
Na era moderna, os sonhos, como instrumento de acesso à psique, foi novamente revelado por Freud, que o chamou da via régia para o acesso ao Inconsciente. Os seus achados com relação aos sonhos até hoje não foram aceitos pela Ciência, bem como grande parte de sua teoria. Dane-se a Ciência. Os sonhos se comprovam em nossa prática como uma via maravilhosa de acesso ao Inconsciente e à cura. As psicoterapias comprovam isso no dia a dia, o que não pode ser detectado por nenhum exame de Neuroimagem.
As pessoas normalmente acham os sonhos pouco importantes, fragmentos de assuntos que apareceram durante o dia. Sonham com o trabalho, sonham com as preocupações e os medos do dia a dia. Freud mesmo resumia que o sonho manifesta um desejo ou um medo, e isso se confirma em uma série de sonhos.
Jung, que veio um pouco depois de Freud e descobriu o Inconsciente Coletivo, julgava os sonhos uma via de acesso ao Inconsciente e à própria vida. Não vou me estender nesse post, mas Jung imaginava que os sonhos fosse uma manifestação de outras esferas da psique, como a própria Supraconsciência, que ele chamou de Self. Para esse post não ficar muito chato, vou dar o exemplo de um sonho recente colhido na prática do consultório. O paciente sonhou com uma Arara Azul, belíssima, pousada em seu braço. Ele olhava a ave admirado, quando percebeu que a arara estava chorando. O pensamento que lhe veio foi que não sabia que os bichos tinham esses sentimentos. Acolheu a arara com um longo e amoroso abraço, ela se aninhou em seus braços. Parecia um sonho comum e sem sentido, não é? A tal da arara poderia ser uma alusão à arara da última animação de Carlos Saldanha, "Rio", onde a personagem principal é uma arara azul, Blue. O significado da arara e do que ela representa no sonho que é pessoal e intransferível. A interpretação do sonho, realizada a partir das associações do paciente foi que a Arara Azul representa a profunda solidão do paciente em sua vida pessoal e profissional. Nesse mundo utilitarista de cada um por si, ele se sente cada vez mais um animal em extinção. Uma ave rara, tentando fazer as coisas certo. Olhar para o bichinho e perceber a sua dor é como olhar para si mesmo e toda a sensação de solidão e injustiça que lhe causam mágoa. Quando ele acolhe a ave num abraço, está realizando uma cura de sua própria ferida e solidão. Em vez de esperar reconhecimento e acolhimento do Outro, como a sociedade, os pares, os amigos ou quem quer que seja, ele toma a iniciativa de acolher o bichinho em sua dor. Esse é um sonho de cura, um sonho em que a percepção que o paciente tem da vida é profundamente transformada por esse conteúdo que vem no sonho. O paciente pode ver em 3D o que lhe machuca e cuidar da própria ferida. Essa é uma das vivências e compreensões mais profundas que podemos ter em um processo de psicoterapia.
Somos todos araras azuis procurando o nosso caminho. Encontramos com diversos tipos de pessoas e de amores, mas no final das contas, é nossa tarefa compreender o que nos machuca e cuidar disso. Veja quanta coisa num fragmento meio besta de sonho.
Os neurocientistas continuam procurando pela alma dentro do aparelhos. Não vão encontrar.

Um comentário:

  1. • Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos. (Anais Nin)

    • Não são os acontecimentos que nos ferem, mas a visão que temos deles. (Epicteto)

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