sábado, 24 de setembro de 2011

São Caetano, Setembro 2011

Hoje os jornais estampam as fotos do enterro do menino D, de dez anos, que atirou em sua professora de Português, foi até a escada perto da sala de aula e deu um tiro na própria cabeça. Essa é uma cena de filme ou de adolescentes americanos com vocação para serial killers? Não. Aconteceu numa escola modelo, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Tentativa de homicídio seguida de suicídio, em uma criança, ou um préadolescente, um evento raríssimo e quase inédito em nosso meio. Nessas ocasiões a mídia corre atrás dos psiquiatras, psicólogos, pedagogos, procurando pelas explicações de praxe. Um colega de classe do menino resumiu como essas quase causas já forma assimiladas pelo senso comum: "Como isso pôde acontecer, se ele não sofria bullying, tinha uma família estruturada e religiosa e era um bom aluno?"
Já estamos nos acostumando a associar esse tipo de violência a essas causas. No caso do menino de São Caetano, não encontrou-se nada. Todos estupefactos. Nada. Os especialistas pelo menos ficaram comedidos e silenciaram antes da saraivada de palpites que todos disparam nessas ocasiões. O coordenador de Saúde Mental da Infância e Adolescência da cidade colocou a falta de dados de uma forma muito clara: "Qualquer hipótese para explicar o ocorrido é um exercício de imaginação". Bravo, colega. Vamos colher mais dados antes de formular hipóteses, para evitar que feridas ainda mais dolorosas sejam abertas. Mas a falta de qualquer explicação é ainda mais angustiante para todos. Significa que isso pode ocorrer para qualquer um, em qualquer lugar? Estamos vivendo em um mundo que crianças de dez anos vão ter que passar por detectores de metais para assistir as aulas ou pegar a merenda?
Os acidentes com arma e crianças acontecem nas casas onde uma arma está, de um jeito ou de outro, ao alcance das crianças. Há pouco tempo uma criança na mesma faixa etária de D, filho de um cliente, começou a fazer desenhos onde explodia a escola, destruía os colegas que o maltratavam com granadas e cenários de video games. Os pais foram chamados, uma terapeuta convocada, ele elaborou a sua agressividade e mudou de escola, onde está mais adaptado. A fabulosa tensão que estava acumulada e se manifestando pelas fantasias de violência terrorista foi dissipada e elaborada, o moleque já pode voltar a ser criança. Se esse menino tivesse acesso a uma arma de fogo, haveria risco de a violência ser concretizada? Sim. Se a tensão crescente não tivesse sido identificada, os sintomas do garoto teriam piorado? Teriam.
O menino D deixou um desenho em sua mochila, intitulado "Eu aos 16 anos", onde tinha um revolver em cada mão. Perto dele, um professor. Roseli Sayão disse na Folha que desenhos com armas são muito comuns nessa idade, não indicam uma índole violenta, necessariamente. Ela tem razão. Mas a banalização da imagem das armas, o imaginário coletivo estimulado por filmes e séries, a tragédia de Realengo, tudo isso pode crescer dentro da cabeça de um moleque dessa idade e virar uma mistura explosiva. A facilidade de acesso a uma arma pode criar uma situação propícia de passagem ao ato, quando uma idéia que todos podemos ter, pode vira uma tragédia.
Nós estamos hoje num mundo de excessos. As pessoas tem cada vez mais uma dificuldade de internalizar e elaborar as suas tensões. Infelizmente, muitas famílias não tem condições de acessar profissionais, aconselhadores e terapeutas como o meu cliente teve com seu filho. Aos pais restam como arma a Atenção Plena, a insistência em dialogar e acessar o que acontece no mundo insondável e interno de nossas crianças. O problema é que casos como esse deixam os pais mais assustados e intimidados em tentar esse diálogo. Procuram logo pelos especialistas, antes de procurar pelo bom senso.

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