sábado, 16 de junho de 2012

Sushi Woman

Quando acontece uma tragédia, as pessoas correm aos especialistas para explicações tranquilizadoras. Algo que nos ofereça a impressão que aquilo poderia ter sido facilmente evitado, mediante as medidas adequadas.
Marcos, o executivo da Yoki, foi morto por sua esposa com um tiro e depois teve seu corpo esquartejado na tentativa de ocultação do cadáver. Foi o assunto da semana. Em nossa civilização viciada em Reality Shows, o crime foi comentado, a intimidade das pessoas exposta e os detalhes mórbidos multiplicados nos jornais e internet. Os especialistas de plantão, alguns da minha área, saíram caçando explicações. As pessoas me perguntavam, nas consultas, como uma coisa dessas pode acontecer na casa vizinha.
“Uma Linda Mulher” foi o filme que lançou Julia Roberts como Cinderela moderna. Fez o papel de uma prostituta que se apaixona pelo seu cliente, um rico executivo encastelado no mundo dos negócios. Tentaram fazer outros filmes com Richard Gere e Julia Roberts tentando recuperar a química quase perfeita de “Pretty Woman”, mas não rolou. O fato é que o arquétipo do homem bem sucedido que se apaixona pela prostituta e decide tirá-la “da vida”. A mocinha tira o executivo de seu castelo solitário. O Príncipe transforma a Gata Borralheira em Princesa. E vivem felizes para sempre.
Engraçado como as pessoas não empatizaram com a vítima nesse reality da semana. Pelo contrário. Ontem, uma cliente que passou várias vezes por abusos morais de chefes, familiares e, sobretudo, marido, disse entender muito bem o que Elize, a assassina confessa de Marcos, sentiu. Tem um livro que eu gosto muito: “Homens Maus fazem o que Os Homens Bons Sonham”. O título já é autoexplicativo. A diferença entre a pessoa dita normal, ou portadora de Juízo Moral e a outra, dita Perversa está justamente na capacidade de simbolização. Às vezes temos vontade de matar alguém. Ou precisamos “matar” simbolicamente uma ordem, uma fase de nossa vida ou um relacionamento que só traz sofrimento. O trabalho simbólico é longo e doloroso e vivemos antes o que está morrendo, sem certeza do que irá nascer depois. A pessoa que não tem ou perde a capacidade de Simbolização passa ao ato. Precisa matar o relacionamento, ou o que ele representa, mas acaba matando o Outro, ou a si mesma.
Elize encontrou o Príncipe que, encantado, tirou-a “Da Vida”. O sonho logo virou em pesadelo, sem “felizes para sempre”. Richard Gere perdeu o seu interesse, passou a ser distante, sempre irritado com a sua perseguição ciumenta. Julia-Elize engravidou quando o divórcio estava sendo discutido, o que não é nem um pouco incomum. Nenhum casamento é salvo assim, antes, é definitivamente condenado. O resto da história é conhecido: a traição, a nova amante candidata a Cinderela, a discussão, o tiro, a morte revelada em cadeia nacional pelos advogados da família em seus detalhes bizarros.
É engraçado dizer que não precisamos de salvadores, nem salvadoras, para redimir nossas falhas, nossos medos, nossas pobrezas. Não precisamos de Príncipes nem de Cinderelas. No entanto, não há nenhum dia que não sejamos salvos, às vezes por pessoas que nem conhecemos.

3 comentários:

  1. Oi Spinelli,
    Para variar, excelente texto, temática, simbologia envolvida, etc. Mas para mim, este post em particular teve un Gran Finale.
    Teve algo que realmente chamou minha atenção.
    A frase: "No entanto, não há nenhum dia que não sejamos salvos, às vezes por pessoas que nem conhecemos.", é simplesmente perfeita.
    Quantas e quantas vezes, um comentário "caído do céu" ou alguma frase dita "ao acaso" por alguém (que na maioria das vezes nem interagindo conosco está),durante nosso dia, acaba por nos fazer pensar, refletir, mudar de opinião, ter um insight ou coisa que o valha...que realmente termina em nos salvar.
    O impressionante é entender e concordar tão facilmente com o ultimo parágrafo do teu post e ao mesmo tempo, ver como nossa (a minha no caso) arrogância e/ou orgulho, tira o mérito do fato REAL, ou seja, que alguém me salvou!!!
    É tão facil pensar que somos geniais e que não precisamos de nada/ninguém para redimir as falhas... é fácil achar que nós mesmos salvamos o dia ou a situação... impressionante como somos injustos com o REAL. Sei lá se essa "amaurose" do acontecimento é fruto de um egoísmo extremo ou apenas da ignorância, mas o fato é que o tal Gran Finale, caiu como uma luva para mim.
    Obrigado por ter aberto um pouquinho mais os meus olhos com o teu texto.
    Nós 2 temos o mesmo "péssimo ou otimo" habito de ler mais de um livro ao mesmo tempo. No meu caso, normalmente um deles é puro entretenimento e o outro é algo específico, mas o que realmente me atrai na leitura, é o que seu texto me proporcionou:
    - Algo para realmente pensar..algo que devo refletir...algo que me ensine...conhecimento.

    Sensacional.

    Desculpe pelo comentário extenso, mas foi inevitável.

    Abs

    Fabio

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    1. Vc foi extenso e intenso, como sempre. Obrigado pelo comentário, realmente acrescentou ao "Gran Finale".

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    2. Vc foi extenso e intenso, como sempre. Obrigado pelo comentário, realmente acrescentou ao "Gran Finale".

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