Bem, meninas, desculpe mas eu vou falar de novo de futebol. Bem sei que o público maior desse blog é feminino, mas um autor não pode ser refém de seu sucesso.(Rsrsrs).
Não há como não falar do Barcelona, campeão ontem da Champions League, a Copa dos Campeões da Europa, o mais importante torneio interclubes do planeta, assim como o Barça é o melhor time de futebol do planeta. Mas não se preocupem, que não vou me restringir a cantar os encantos do jogo de Messi e companhia, da fabulosa armação do jogo com Iniesta e Xavi, os ataques imarcáveis com seis, sete jogadores chegando perto da área e encurralando o adversário. Ontem, o poderoso Manchester United, um dos times mais ricos do mundo, ficou assistindo o Barcelona jogar, como se fosse o um time da Segunda Divisão encantado com aquela geração de jogadores, a base da seleção campeã da última Copa do Mundo. Não, não vou me babar de tietagem e inveja, pois já vi um time tricolor que jogava assim, com Raí e companhia e o mestre Telê Santana no banco, com a sua camisa polo vermelha. Não, não vou ficar enaltecendo esses gênios da bola. Vou falar de outra coisa. Vou falar de estados de fluxo.
Há pouco mais de uma década eu escrevi e publiquei um livro sobre o estresse, chamado "Stress: o coelho de Alice tem sempre muita pressa". O livro fazia parte de um projeto de oferecer palestra e orientação para os estressados corporativos, do chão de fábrica aos colarinhos brancos. Acabou não rolando, o livro era vendido nas palestras, hoje está esgotado, ainda bem, porque muito do que eu escrevi sobre os efeitos de um hormônio, a Adrenalina, hoje teria outro vilão, também fabricado nas Supra-Renais, o Cortisol. Foi nessa época, estudando o estresse e os estressores, que descobri uma literatura tímida sobre os estados de fluxo. Esses estados se caracterizam por uma Concentração absoluta com um mínimo de esforço, aqueles estados em que nos sentimos criativos e completamente absortos numa tarefa, que pode cair a parede que não tira a pessoa desse estado de concentração. Os sinos tocaram quando li sobre esses estados: isso é exatamente o contrário do estresse: é um estado de concentração plena, relaxada e ao mesmo tempo de absoluta presença no que se está fazendo. Uma Concentração no fio da navalha e relaxada ao mesmo tempo. Em vez de cultivar as teorias do "Relaxe, seja Zen, se acalme", ou tentar transformar os estressados em iogues recitando mantras, poderíamos ensinar e cultivar esse estado mental no trabalho. O contrário do estresse é o estado de fluxo, é a alta perfomance com o menor desgaste possível.
Um exemplo dos estados de fluxo é o time do Barcelona. Os caras tocam a bola de pé em pé, com um ritmo estranhamente lento e consistente, vai chegando na área para fazer as jogadas que todo mundo sabe que vão sair e ninguém vai conseguir marcar. Leve, felino, implacável, preparando e dando o bote com uma ação combinada. Veja como é raro que um jogador do Barcelona dê um pontapé ou mesmo se machuque. O time joga com leveza e consistência, sempre num estado energético de fluxo.
Como seria bom que o projeto de Stress tivesse dado certo, para mudar a cultura corporativa da pressão a todo custo pela cultura dos estados de fluxo. O técnico do Barcelona, Guardiola, poderia ser o CEO dessa nova empresa.
domingo, 29 de maio de 2011
sábado, 28 de maio de 2011
As Camadas da Cebola
Aqui vai mais um texto da Vovó. Depois deixo a velhinha descansar. Vai ser o último texto sobre o evento, que nem eu mais aguento.
- Vó?
- Oi?
- Você pode me falar sobre a aula?
- Que aula?
- A aula do Marco.
- No outro post eu falei que não fui à aula que estava frio. Hoje está mais frio ainda.
- Vó?
- Oi?
- Deixa de história. Somos personagens da cabeça dele. Você sabe falar da aula.
A velha senhora suspirou. Podia enveredar a conversa sobre a realidade psíquica das personagens, que ganham vida e falam contra a vontade do autor. Mas a conversa iria ficar muito abstrata. Melhor falar sobre a aula.
- Tá bom, fofinha, tá bom...Mas no que uma aula sobre as dimensões da cura pode te interessar?
- Você sempre dá um jeito do assunto me interessar.
(Risos).
- Obrigada. Obrigada (agradecendo aplausos imaginários). Vamos lá, então. Nosso autor falou sobre um assunto que ele ama, que é multidimensionalidade.
- Multi o quê?
Franzindo a testa:
- Deixa para lá esse palavrão. O que ele falou é que sempre que você vai analisar um problema, é como descascar uma cebola. Tem várias camadas, que vão do mais superficial ao mais profundo. Dá para entender isso?
- Dá. Prossiga.
- Muito obrigada. Imagine que vamos descascar a cebola em quatro camadas. Todos os problemas dessa vida podem ser analisados assim.
- Cortando cebolas?
- (Risos) Posso falar?
- Pode. Desculpe.
- Imagine uma pessoa que vai ao consultório dele com uma depressão. Qual é o nível 1 da depressão? É um estado de esgotamento ou diminuição da neurotransmissão, sobretudo em áreas que comandam as emoções no Sistema Nervoso. Entendeu?
- Claro que não (risos).
- Imagine que está faltando energia no motor do Cérebro. A pessoa vai até o médico e fala: a minha bateria está fraca, não consigo mais fazer as coisas que eu fazia, não consigo dormir, não consigo trabalhar, tudo está uma chatice. O médico vai entrevistar, ver os sintomas e falar: Está faltando energia, vamos repor o que está faltando. Esse é o nível 1, ok?
- Ok.
- A maioria das pessoas fica bem satisfeita com as coisas resolvidas no nível 1. Quebrou, conserta. Nós, não. Vamos procurar as questões do nível 2: o que está cansando esse Sistema Nervoso? Quais são os estressores? Como a pessoa se alimenta? Como se diverte? O Cérebro que brinca é diferente do Cérebro que luta, sabia?
- Claro que eu sabia, sou uma criança...
- Pois é. Os adultos ficam bobos e só lutam, não brincam. De tanto lutar, acabam cansando. O nível 2 é esse: quais são os múltiplos fatores que ajudam uma pessoa a adoecer e , mais do que isso, quais são os fatores para ela melhorar. Onde estão os vazamentos e como vamos consertá-los? Esse é o nível 2, ok?
- Ok. Qual é o nível 3?
- O nível 3 é o nível do Significado. Qual o significado dessa depressão. Por que aconteceu nesse momento. Qual é o chamado que a vida está me fazendo que eu não estou ouvindo? Qual a ferida que está machucando no meu mundo interno que precisa ser cuidada. Qual a peça que não deixa a máquina funcionar direito?
- São muitas perguntas, não é?
- Pois eu sempre te falo que a diferença nessa vida é saber ou não fazer as perguntas certas, mesmo que não tenham resposta. Foi sobre isso que o nosso autor falou.
- Você esqueceu do nível 4.
- Não esqueci não. É que a nível 4 é o mais difícil.
- Por que?
- Porque o nível 4 é o Sentido de tudo aquilo. Demora anos para se descobrir. A pessoa olha para tráz e pensa: a partir daquela depressão, eu mudei a minha vida, passei a cuidar mais de mim e de quem eu amo, larguei o cigarro, ouvi mais os passarinhos. Foi como tirar um véu que cobria os meus olhos.
- Por que esse nível é o mais difícil?
- Porque muita gente nem acredita que ele exista. Acham que tudo ocorre ao acaso, que a depressão é um punhado de genes que não funcionam bem e pronto. Mas essa é outra história, uma longa história. Ele vai acabar falando disso em outras aulas.
- As pessoas gostaram dessa aula?
- Acho que sim. Mas no dia seguinte já começaram a ser pressionadas.
- Como assim, pressionadas?
- Pressionadas a resolver tudo no nível 1: quebrou, conserta e vamos em frente.
- Deve ser por isso que gente grande fica triste, não é, minha avó?
- (Suspiro) Deve ser exatamente por isso, meu bem. Exatamente por isso. Nunca conseguem descascar a cebola direito. Tem sempre alguém com pressa, empurrando para as coisa serem resolvidas só na superfície.
- Vó?
- Oi?
- Você pode me falar sobre a aula?
- Que aula?
- A aula do Marco.
- No outro post eu falei que não fui à aula que estava frio. Hoje está mais frio ainda.
- Vó?
- Oi?
- Deixa de história. Somos personagens da cabeça dele. Você sabe falar da aula.
A velha senhora suspirou. Podia enveredar a conversa sobre a realidade psíquica das personagens, que ganham vida e falam contra a vontade do autor. Mas a conversa iria ficar muito abstrata. Melhor falar sobre a aula.
- Tá bom, fofinha, tá bom...Mas no que uma aula sobre as dimensões da cura pode te interessar?
- Você sempre dá um jeito do assunto me interessar.
(Risos).
- Obrigada. Obrigada (agradecendo aplausos imaginários). Vamos lá, então. Nosso autor falou sobre um assunto que ele ama, que é multidimensionalidade.
- Multi o quê?
Franzindo a testa:
- Deixa para lá esse palavrão. O que ele falou é que sempre que você vai analisar um problema, é como descascar uma cebola. Tem várias camadas, que vão do mais superficial ao mais profundo. Dá para entender isso?
- Dá. Prossiga.
- Muito obrigada. Imagine que vamos descascar a cebola em quatro camadas. Todos os problemas dessa vida podem ser analisados assim.
- Cortando cebolas?
- (Risos) Posso falar?
- Pode. Desculpe.
- Imagine uma pessoa que vai ao consultório dele com uma depressão. Qual é o nível 1 da depressão? É um estado de esgotamento ou diminuição da neurotransmissão, sobretudo em áreas que comandam as emoções no Sistema Nervoso. Entendeu?
- Claro que não (risos).
- Imagine que está faltando energia no motor do Cérebro. A pessoa vai até o médico e fala: a minha bateria está fraca, não consigo mais fazer as coisas que eu fazia, não consigo dormir, não consigo trabalhar, tudo está uma chatice. O médico vai entrevistar, ver os sintomas e falar: Está faltando energia, vamos repor o que está faltando. Esse é o nível 1, ok?
- Ok.
- A maioria das pessoas fica bem satisfeita com as coisas resolvidas no nível 1. Quebrou, conserta. Nós, não. Vamos procurar as questões do nível 2: o que está cansando esse Sistema Nervoso? Quais são os estressores? Como a pessoa se alimenta? Como se diverte? O Cérebro que brinca é diferente do Cérebro que luta, sabia?
- Claro que eu sabia, sou uma criança...
- Pois é. Os adultos ficam bobos e só lutam, não brincam. De tanto lutar, acabam cansando. O nível 2 é esse: quais são os múltiplos fatores que ajudam uma pessoa a adoecer e , mais do que isso, quais são os fatores para ela melhorar. Onde estão os vazamentos e como vamos consertá-los? Esse é o nível 2, ok?
- Ok. Qual é o nível 3?
- O nível 3 é o nível do Significado. Qual o significado dessa depressão. Por que aconteceu nesse momento. Qual é o chamado que a vida está me fazendo que eu não estou ouvindo? Qual a ferida que está machucando no meu mundo interno que precisa ser cuidada. Qual a peça que não deixa a máquina funcionar direito?
- São muitas perguntas, não é?
- Pois eu sempre te falo que a diferença nessa vida é saber ou não fazer as perguntas certas, mesmo que não tenham resposta. Foi sobre isso que o nosso autor falou.
- Você esqueceu do nível 4.
- Não esqueci não. É que a nível 4 é o mais difícil.
- Por que?
- Porque o nível 4 é o Sentido de tudo aquilo. Demora anos para se descobrir. A pessoa olha para tráz e pensa: a partir daquela depressão, eu mudei a minha vida, passei a cuidar mais de mim e de quem eu amo, larguei o cigarro, ouvi mais os passarinhos. Foi como tirar um véu que cobria os meus olhos.
- Por que esse nível é o mais difícil?
- Porque muita gente nem acredita que ele exista. Acham que tudo ocorre ao acaso, que a depressão é um punhado de genes que não funcionam bem e pronto. Mas essa é outra história, uma longa história. Ele vai acabar falando disso em outras aulas.
- As pessoas gostaram dessa aula?
- Acho que sim. Mas no dia seguinte já começaram a ser pressionadas.
- Como assim, pressionadas?
- Pressionadas a resolver tudo no nível 1: quebrou, conserta e vamos em frente.
- Deve ser por isso que gente grande fica triste, não é, minha avó?
- (Suspiro) Deve ser exatamente por isso, meu bem. Exatamente por isso. Nunca conseguem descascar a cebola direito. Tem sempre alguém com pressa, empurrando para as coisa serem resolvidas só na superfície.
domingo, 22 de maio de 2011
A Vovó e o Evento
Vou continuar usando a velha Vovó para falar das coisas. Marco Spinelli descansa um pouquinho, depois eu deixo esse sujeito voltar a falar:
- Vó?
- Oi?
- Você foi ao evento do Marco ontem?
- Não, acabei não indo. Estava muito frio, eu fiquei com preguiça. Você sabe, as minhas juntas doem um pouco no frio. Mas eu conversei com uma menina que foi.
- Ela gostou?
- Gostou, gostou sim. Como foi um grupo pequeno, o clima foi de bate papo, intimista, isso foi mais legal mesmo do que o conhecimento compartilhado. Ela se sentiu realmente em casa.
- Sobre o que eles falaram?
- Não sei direito. Dá uma olhada no e-mail que lá estão os temas.
Fez um muxoxo, sem saber como continuar a conversa.
- Vó?
- Ooiiiê?
- Eles falaram sobre como é difícil emagrecer?
- Por que você está perguntando isso? Você é magra, menina.
- Mas um dia eu vou crescer, não vou?
- Imagino que sim (sorrindo).
- Então... Quando a mulher cresce, só pensa em emagrecer, não é?
- (Risos) Pode ser, pode ser sim ...
- A minha mãe e as amigas dela só pensam na dieta disso, na dieta daquilo... As revistas delas só falam disso também, como ficar magra, bonita e poderosa na cama.
A Vovó engasgou.
- Vocês pensam que eu sou criança e que criança não sabe de nada, mas eu sei.
A Vovó tentava se recompor.
- Isso é uma preocupação sim, bonitinha. Não deveria ser a única, mas é, sim.
- Então por que entra de dieta, sai de dieta, ela está cada dia mais gordinha?
- Você falou isso para ela?
- Eu não...Sou besta?
- Que bom.
- Mas alguém precisava falar, não acha?
- Não, não acho não.
- Por que?
- Porque as pesssoas, as mulheres passam muito tempo brigando com o corpo, brigando com o cabelo, brigando com o espelho. Depois pegam essas revistas que você está fuçando que dizem para elas terem autoestima, procurar por chazinhos milagrosos e emagrecer dois manequins em uma semana.
- E daí?
- Daí que isso, estar sempre brigando, sempre em guerra, não funciona. Quem luta para emagrecer engorda, quem luta para engordar emagrece.
- Mas eu não entendo,Vó, por que isso acontece?
- Porque o nosso corpo está cansado de guerra, meu bem. Quando você crescer, eu sei que não vai ficar em guerra para emagrecer, ou engordar. Mas se quiser perder uns quilinhos, ame comer uma comida gostosa e saudável, não passe fome e ame todo o processo de emagrecer. Faça amor, não faça guerra.
A menina pousou a cabeça no colo da avó. O bolo no forno já começava a cheirar.
- Vó?
- Oi?
- Você foi ao evento do Marco ontem?
- Não, acabei não indo. Estava muito frio, eu fiquei com preguiça. Você sabe, as minhas juntas doem um pouco no frio. Mas eu conversei com uma menina que foi.
- Ela gostou?
- Gostou, gostou sim. Como foi um grupo pequeno, o clima foi de bate papo, intimista, isso foi mais legal mesmo do que o conhecimento compartilhado. Ela se sentiu realmente em casa.
- Sobre o que eles falaram?
- Não sei direito. Dá uma olhada no e-mail que lá estão os temas.
Fez um muxoxo, sem saber como continuar a conversa.
- Vó?
- Ooiiiê?
- Eles falaram sobre como é difícil emagrecer?
- Por que você está perguntando isso? Você é magra, menina.
- Mas um dia eu vou crescer, não vou?
- Imagino que sim (sorrindo).
- Então... Quando a mulher cresce, só pensa em emagrecer, não é?
- (Risos) Pode ser, pode ser sim ...
- A minha mãe e as amigas dela só pensam na dieta disso, na dieta daquilo... As revistas delas só falam disso também, como ficar magra, bonita e poderosa na cama.
A Vovó engasgou.
- Vocês pensam que eu sou criança e que criança não sabe de nada, mas eu sei.
A Vovó tentava se recompor.
- Isso é uma preocupação sim, bonitinha. Não deveria ser a única, mas é, sim.
- Então por que entra de dieta, sai de dieta, ela está cada dia mais gordinha?
- Você falou isso para ela?
- Eu não...Sou besta?
- Que bom.
- Mas alguém precisava falar, não acha?
- Não, não acho não.
- Por que?
- Porque as pesssoas, as mulheres passam muito tempo brigando com o corpo, brigando com o cabelo, brigando com o espelho. Depois pegam essas revistas que você está fuçando que dizem para elas terem autoestima, procurar por chazinhos milagrosos e emagrecer dois manequins em uma semana.
- E daí?
- Daí que isso, estar sempre brigando, sempre em guerra, não funciona. Quem luta para emagrecer engorda, quem luta para engordar emagrece.
- Mas eu não entendo,Vó, por que isso acontece?
- Porque o nosso corpo está cansado de guerra, meu bem. Quando você crescer, eu sei que não vai ficar em guerra para emagrecer, ou engordar. Mas se quiser perder uns quilinhos, ame comer uma comida gostosa e saudável, não passe fome e ame todo o processo de emagrecer. Faça amor, não faça guerra.
A menina pousou a cabeça no colo da avó. O bolo no forno já começava a cheirar.
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Marlin e Eu
Recebi uma "queixa" de uma leitora, que reclamou da interrupção dos posts sobre a animação "Procurando Nemo". Vou ressuscitar a personagem da Vovó e de sua netinha para dar uma panorâmica num tema que eu gosto muito, da Jornada de Transformação. Mais um recado para a moça que está querendo marcar consulta e não consegue: por que você não vem ao nosso evento e conversa direto comigo? Eu posso "inventar" um horário, a minha secretária, Yrá, não. Pegue o meu e-mail no blog que conversamos. Bom, agora com vocês, a Vovó:
Entrou na sala correndo. Pegou a velha senhora de surpresa, com uma lágrima de canto. Ela se empertigou, rapidamente.
- Você está chorando, Vó?
- Eu?
- Não, eu.
- Um pouquinho, querida, um pouquinho.
Olhou para a TV.
- Você está vendo "Nemo" de novo?
Assentiu, com um suspiro.
- Por que você gosta tanto desse filme?
- Você não gosta?
- Adoro, mas não tanto como você.
- Esse filme fala de um assunto que eu gosto muito.
- A "Jornada de Transformação" ! ( falou de um jeito espalhafatoso, abrindo os braços).
- (Risos) Se você já sabe, por que pergunta?
- Porque eu SEMPRE pergunto.
- É verdade.
Silêncio, obviamente quebrado pela menina.
- Você pode me contar de novo.
- Contar o que?
- Contar da Jornada de Transformação. A Jornada do Nemo.
- A jornada não é do Nemo. Quem faz a jornada é o Marlin, o pai do Nemo.
- Quais são as fases, mesmo?
- As fases? isso é uma invenção minha...
- E daí? E se eu gostar da sua invenção?
- É mesmo... É mesmo. Eu brinco de dividir essas fases em quatro.
- Quais são, mesmo?
- A Perda, A Pedra, A Letra e o Perdão.
- É mesmo. Quais são essas fases, mesmo?
- Na Perda, o Marlin tem duas perdas devastadoras: primeiro ele perde Coral, a sua esposa e os filhotes. Depois ele perde o seu único filhote, Nemo, que ele superprotegia. Essa parte é dura.
- Todo mundo passa por isso?
- Acho que sim. Quase todo mundo sente essa perda na vida. Tem gente que passa muito tempo escondida na Anêmona, como o Marlin, quando sofre A Perda, com letra maiúscula.
- E depois?
- Depois vem a travessia, A Pedra.
- Por que você chama essa fase de "A Pedra"?
- É uma coisa que eu tirei da Alquimia. Da Pedra Filosofal.
Olhou com aquela cara de "estou boiando".
- Imagina que temos, junto à nossa Psique, ou Alma, uma base. Quanto mais enfrentamos a vida, as dúvidas, os medos, mais forte fica a sua Pedra.
- E se não enfrentamos?
- Mais ficamos imóveis, assustados, sem entrar na Jornada. Sacou?
- Saquei (falou, rindo. "Sacou" é o auge de gíria que a avó sabe falar). E depois?
- Depois? A Letra.
- O que é A Letra?
- É o aprendizado com o caminho. É a necessidade de continuar aprendendo, errando, procurando pelo caminho.
- É a Dory?
- Isso! Continue a nadar, continue a nadar. É o Crush, também.
- Como assim?
- É o Crush, claro: encontre o fluxo, cara, e deixe o fluxo te levar.
- E a última fase?
- O Perdão é quando você começa a entender a jornada: todo o sofrimento, toda a travessia para encontrar o que estava perdido.
- O Nemo?
- Também ... Também.
- Como também?
- O Marlin encontra o seu tesouro, que é o seu filho. Mas encontra com ele mesmo, também. Encontra com o peixe que ele realmente é, não aquele obsessivo medroso.
A neta sorriu.
- E isso não é para qualquer um.
Sorriram, reconfortadas. Mas a neta queria mais:
- Fala mais sobre isso?
A Vovó arregalou os olhos num sorriso.
Entrou na sala correndo. Pegou a velha senhora de surpresa, com uma lágrima de canto. Ela se empertigou, rapidamente.
- Você está chorando, Vó?
- Eu?
- Não, eu.
- Um pouquinho, querida, um pouquinho.
Olhou para a TV.
- Você está vendo "Nemo" de novo?
Assentiu, com um suspiro.
- Por que você gosta tanto desse filme?
- Você não gosta?
- Adoro, mas não tanto como você.
- Esse filme fala de um assunto que eu gosto muito.
- A "Jornada de Transformação" ! ( falou de um jeito espalhafatoso, abrindo os braços).
- (Risos) Se você já sabe, por que pergunta?
- Porque eu SEMPRE pergunto.
- É verdade.
Silêncio, obviamente quebrado pela menina.
- Você pode me contar de novo.
- Contar o que?
- Contar da Jornada de Transformação. A Jornada do Nemo.
- A jornada não é do Nemo. Quem faz a jornada é o Marlin, o pai do Nemo.
- Quais são as fases, mesmo?
- As fases? isso é uma invenção minha...
- E daí? E se eu gostar da sua invenção?
- É mesmo... É mesmo. Eu brinco de dividir essas fases em quatro.
- Quais são, mesmo?
- A Perda, A Pedra, A Letra e o Perdão.
- É mesmo. Quais são essas fases, mesmo?
- Na Perda, o Marlin tem duas perdas devastadoras: primeiro ele perde Coral, a sua esposa e os filhotes. Depois ele perde o seu único filhote, Nemo, que ele superprotegia. Essa parte é dura.
- Todo mundo passa por isso?
- Acho que sim. Quase todo mundo sente essa perda na vida. Tem gente que passa muito tempo escondida na Anêmona, como o Marlin, quando sofre A Perda, com letra maiúscula.
- E depois?
- Depois vem a travessia, A Pedra.
- Por que você chama essa fase de "A Pedra"?
- É uma coisa que eu tirei da Alquimia. Da Pedra Filosofal.
Olhou com aquela cara de "estou boiando".
- Imagina que temos, junto à nossa Psique, ou Alma, uma base. Quanto mais enfrentamos a vida, as dúvidas, os medos, mais forte fica a sua Pedra.
- E se não enfrentamos?
- Mais ficamos imóveis, assustados, sem entrar na Jornada. Sacou?
- Saquei (falou, rindo. "Sacou" é o auge de gíria que a avó sabe falar). E depois?
- Depois? A Letra.
- O que é A Letra?
- É o aprendizado com o caminho. É a necessidade de continuar aprendendo, errando, procurando pelo caminho.
- É a Dory?
- Isso! Continue a nadar, continue a nadar. É o Crush, também.
- Como assim?
- É o Crush, claro: encontre o fluxo, cara, e deixe o fluxo te levar.
- E a última fase?
- O Perdão é quando você começa a entender a jornada: todo o sofrimento, toda a travessia para encontrar o que estava perdido.
- O Nemo?
- Também ... Também.
- Como também?
- O Marlin encontra o seu tesouro, que é o seu filho. Mas encontra com ele mesmo, também. Encontra com o peixe que ele realmente é, não aquele obsessivo medroso.
A neta sorriu.
- E isso não é para qualquer um.
Sorriram, reconfortadas. Mas a neta queria mais:
- Fala mais sobre isso?
A Vovó arregalou os olhos num sorriso.
domingo, 15 de maio de 2011
O Império das Gramíneas
Fui procurar num livro de Beto Hoisel, "Anais de um Simpósio Imaginário" um texto sobre a psique de Gaia. Para quem não conhece, Gaia é uma teoria razoavelmente recente de que o nosso planeta é um organismo vivo, que se regula, equilibra e multiplica como orgão gerador da vida. Um planeta que tem uma consciência subliminar. O filme Avatar tem várias alusões à essa teoria, com uma povo de Pandora em íntima comunhão com a Alma do planeta, incluindo plantas e animais. Pandora tem alma e consciência, e usa seus habitantes para expulsar os invasores humanos, tratados como bactérias a serem eliminadas.
Parece que estamos caminhando para uma mudança de paradigma: do Patriarcado vigente no planeta há milênios, onde competir, explorar e prevalecer são os principais objetivos, passaremos para um paradigma de Colaboração, como estratégia de sobrevivência, nossa e de Gaia. Estamos tomando consciência, de forma muito lenta, da necessidade das ações conjuntas e colaborativas.
Beto cita um livro que eu não li, "Timeline", onde a Terra é observada e estudada por inteligências superiores, de extraterrestres. Para os ETs estudiosos de nosso planeta, o terceiro do Sistema Solar, a Terra é um planeta colonizado e dominado pelas Gramíneas, espécies vegetais que se multiplicam e reproduzem por sementes e grãos. Esses vegetais conseguiram, no decorrer de milhares de anos, domesticar uma raça de mamíferos bípedes que desenvolveram alta tecnologia para ocupar regiões cada vez mais extensas do planeta usadas no cultivo desses grãos. Os ETs podem olhar especialmente para um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza onde florestas, rios e imensas quantidades de terra estão sendo destinados à essas gramíneas. Lá do hiperespaço eles podem ver a Amazônia sendo colonizada por plantações de soja, de cana, feijão, trigo e milho. Os mamíferos bípedes desviam o curso dos rios, os combustíveis fósseis e os recursos do planeta para produzir mais e mais comida. O resultado disso é uma grande expansão, nas últimas décadas, no consumo de açúcares, farinhas e gorduras, levando os mamíferos bípedes a ganharem peso e adoecerem de doenças ligadas a esse aumento de peso. Em poucas décadas, os recursos de Gaia estarão esgotados, os humanos estarão divididos em obesos e desnutridos, pois não haverá água para muitos e isso trará a fome e o deserto. Tudo isso pode ser um plano maquiavélico das gramíneas e das unidades de Ácido Desoxiribonucleico (também conhecido por DNA) para a vidas ser semeada fora da Terra, para que os mamíferos bípedes desenvolvam tecnologia suficiente para semear a vida, desenvolvida em bilhões de anos, da Terra para outros lugares e ecossistemas distantes.
Nas últimas décadas, os memíferos bipedes passaram a ter uma noção de temporalidade abalada pela velocidade, pela pressa e pela inflamação de produção/consumo, levando a produção de várias doenças que acometem humanos cada vez mais cedo, como doenças cardíacas, vasculares, oncológicas e degenerativas, frutos de uma exposição cada vez maior à alimentação industrial, ricas em sais e gorduras hidrogenadas e pobre em vitaminas e compostos vegetais. As gramíneas dominam o planeta, mas foram transformada e reprocessadas em farinhas, açúcares e embalagens brilhantes e cheias de gordura. A indústria farmacêutica também produz substâncias químicas em larga escala para minimizar os efeitos desse império, com medicamentos oncológicos, cardíacos e antidepressivos cada vez mais potentes para garantir aos mamíferos bípedes mais tempo de sobrevida e de capacidade de consumo.
Entretanto, em alguns lugares do planeta, a Consciência Coletiva está se desenvolvendo para procurar alternativas e construir novas formas de consciência e de produção. Não é fácil ensinar a todos, mas a Consciência se multiplica gradativa, lentamente. Gaia e as gramíneas agradecem por isso.
Parece que estamos caminhando para uma mudança de paradigma: do Patriarcado vigente no planeta há milênios, onde competir, explorar e prevalecer são os principais objetivos, passaremos para um paradigma de Colaboração, como estratégia de sobrevivência, nossa e de Gaia. Estamos tomando consciência, de forma muito lenta, da necessidade das ações conjuntas e colaborativas.
Beto cita um livro que eu não li, "Timeline", onde a Terra é observada e estudada por inteligências superiores, de extraterrestres. Para os ETs estudiosos de nosso planeta, o terceiro do Sistema Solar, a Terra é um planeta colonizado e dominado pelas Gramíneas, espécies vegetais que se multiplicam e reproduzem por sementes e grãos. Esses vegetais conseguiram, no decorrer de milhares de anos, domesticar uma raça de mamíferos bípedes que desenvolveram alta tecnologia para ocupar regiões cada vez mais extensas do planeta usadas no cultivo desses grãos. Os ETs podem olhar especialmente para um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza onde florestas, rios e imensas quantidades de terra estão sendo destinados à essas gramíneas. Lá do hiperespaço eles podem ver a Amazônia sendo colonizada por plantações de soja, de cana, feijão, trigo e milho. Os mamíferos bípedes desviam o curso dos rios, os combustíveis fósseis e os recursos do planeta para produzir mais e mais comida. O resultado disso é uma grande expansão, nas últimas décadas, no consumo de açúcares, farinhas e gorduras, levando os mamíferos bípedes a ganharem peso e adoecerem de doenças ligadas a esse aumento de peso. Em poucas décadas, os recursos de Gaia estarão esgotados, os humanos estarão divididos em obesos e desnutridos, pois não haverá água para muitos e isso trará a fome e o deserto. Tudo isso pode ser um plano maquiavélico das gramíneas e das unidades de Ácido Desoxiribonucleico (também conhecido por DNA) para a vidas ser semeada fora da Terra, para que os mamíferos bípedes desenvolvam tecnologia suficiente para semear a vida, desenvolvida em bilhões de anos, da Terra para outros lugares e ecossistemas distantes.
Nas últimas décadas, os memíferos bipedes passaram a ter uma noção de temporalidade abalada pela velocidade, pela pressa e pela inflamação de produção/consumo, levando a produção de várias doenças que acometem humanos cada vez mais cedo, como doenças cardíacas, vasculares, oncológicas e degenerativas, frutos de uma exposição cada vez maior à alimentação industrial, ricas em sais e gorduras hidrogenadas e pobre em vitaminas e compostos vegetais. As gramíneas dominam o planeta, mas foram transformada e reprocessadas em farinhas, açúcares e embalagens brilhantes e cheias de gordura. A indústria farmacêutica também produz substâncias químicas em larga escala para minimizar os efeitos desse império, com medicamentos oncológicos, cardíacos e antidepressivos cada vez mais potentes para garantir aos mamíferos bípedes mais tempo de sobrevida e de capacidade de consumo.
Entretanto, em alguns lugares do planeta, a Consciência Coletiva está se desenvolvendo para procurar alternativas e construir novas formas de consciência e de produção. Não é fácil ensinar a todos, mas a Consciência se multiplica gradativa, lentamente. Gaia e as gramíneas agradecem por isso.
sexta-feira, 13 de maio de 2011
O Presente dos Olhos
Engraçado que estava com dificuldade de encontrar o último post, A Palestra, postado há dois dias. Achei agora.
Não vou falar do evento nesse post. Já temos as inscrições e o mesmo não será mais cancelado, o que era um receio. Aceitamos sugestões de temas para os próximas palestras. Ainda temos algumas vagas de qualquer forma. Informações no post anterior.
Ontem eu falava de mais um trecho do filme "Comer, Rezar e Amar", durante uma consulta. Lembrava de uma cena muito bonita. Engraçado que parece pelos meus comentários que eu gostei muito do filme, o que nem foi muito o caso. Achei o filme legal, mas evidentemente aquém do livro, que não li. O livro fala da jornada interior de uma escritora, Liz, em profunda crise existencial. Resolve viajar sozinha pelo mundo, em busca de si mesma. A parte de Comer ela faz na Itália, a parte do Rezar na Índia e a do Amar, em Bali, com o Javier Bardem, que é bonitão mas não poderia fazer papel de brasileiro. Rodrigo Santoro cairia melhor no papel, mas esse não é o assunto do post. Na Itália, Liz conhece por acaso uma moça, uma sueca namorada de um italiano, o que é uma ponte para conhecer uma italianada engraçada. Falei desse grupo em outro post. A cena que me interessa é quando ela está em uma pizzaria napolitana, com essa amiga, preparando a primeira mordida numa pizza maravilhosa, quando percebe a loirinha petrificada diante da sua pizza de mussarela. O que está havendo? - pergunta, a amiga responde que está com medo de comer aquilo, pois já tinha engordado 5 kg desde a chegada na Itália. Liz, a personagem de Júlia Roberts, olha para ela com muita ternura e responde: "Você sabe, quando a gente tira a roupa o homem olha com aquela cara de felicidade ... Ele olha, ganhou na loteria, está tudo bom. Ele não fica olhando se você tem um dedo a mais ou a menos de barriga. Então come a pizza e depois a gente sai para comprar uns jeans novos (e maiores). Depois você emagrece, criatura!". Eu gostei muito da descrição, porque é isso mesmo. Quando a mulher revela a sua nudez, o homem a vê com olhos de menino abrindo presentes no dia de Natal. Que sensação.
Uma dica para as portadoras de Transtorno Obsessivo Amoroso: se nessa hora o cara desviar o olhar, ou pegar o vestido para ver se fica bem no espelho, ele muito provavelmente não é bom candidato a namorado. A culpa é do candidato, não sua. Pare de culpar as pizzas, a roupa, os quilinhos a mais. Na hora H, é obrigatório que o nosso candidato olhe com a cara de um menino maravilhado olhando um Sundae de três andares (dependendo do ângulo, dois). Não se contente com menos. Ou marque a sua passagem para Bali nas próximas férias.
Não vou falar do evento nesse post. Já temos as inscrições e o mesmo não será mais cancelado, o que era um receio. Aceitamos sugestões de temas para os próximas palestras. Ainda temos algumas vagas de qualquer forma. Informações no post anterior.
Ontem eu falava de mais um trecho do filme "Comer, Rezar e Amar", durante uma consulta. Lembrava de uma cena muito bonita. Engraçado que parece pelos meus comentários que eu gostei muito do filme, o que nem foi muito o caso. Achei o filme legal, mas evidentemente aquém do livro, que não li. O livro fala da jornada interior de uma escritora, Liz, em profunda crise existencial. Resolve viajar sozinha pelo mundo, em busca de si mesma. A parte de Comer ela faz na Itália, a parte do Rezar na Índia e a do Amar, em Bali, com o Javier Bardem, que é bonitão mas não poderia fazer papel de brasileiro. Rodrigo Santoro cairia melhor no papel, mas esse não é o assunto do post. Na Itália, Liz conhece por acaso uma moça, uma sueca namorada de um italiano, o que é uma ponte para conhecer uma italianada engraçada. Falei desse grupo em outro post. A cena que me interessa é quando ela está em uma pizzaria napolitana, com essa amiga, preparando a primeira mordida numa pizza maravilhosa, quando percebe a loirinha petrificada diante da sua pizza de mussarela. O que está havendo? - pergunta, a amiga responde que está com medo de comer aquilo, pois já tinha engordado 5 kg desde a chegada na Itália. Liz, a personagem de Júlia Roberts, olha para ela com muita ternura e responde: "Você sabe, quando a gente tira a roupa o homem olha com aquela cara de felicidade ... Ele olha, ganhou na loteria, está tudo bom. Ele não fica olhando se você tem um dedo a mais ou a menos de barriga. Então come a pizza e depois a gente sai para comprar uns jeans novos (e maiores). Depois você emagrece, criatura!". Eu gostei muito da descrição, porque é isso mesmo. Quando a mulher revela a sua nudez, o homem a vê com olhos de menino abrindo presentes no dia de Natal. Que sensação.
Uma dica para as portadoras de Transtorno Obsessivo Amoroso: se nessa hora o cara desviar o olhar, ou pegar o vestido para ver se fica bem no espelho, ele muito provavelmente não é bom candidato a namorado. A culpa é do candidato, não sua. Pare de culpar as pizzas, a roupa, os quilinhos a mais. Na hora H, é obrigatório que o nosso candidato olhe com a cara de um menino maravilhado olhando um Sundae de três andares (dependendo do ângulo, dois). Não se contente com menos. Ou marque a sua passagem para Bali nas próximas férias.
quarta-feira, 11 de maio de 2011
A Palestra
Não vou agradecer de novo os comentários, que já está ficando repetitivo. Vou responder a alguns: Muller, você tem muito a acrescentar e a ouvir, mas tem que se inscrever, cara. Ligue para a Yrá. Ana, leia o "Curar", do mesmo autor. É bem legal. A.M.: obrigado pela sugestão. Não sei se vou falar sobre o Matrix, mas talvez de uma personagem sensacional, que é a Oráculo. Aguarde.
Apesar desses comentários calorosos, a idéia da palestra não está reverberando. Acho que as pessoas o acham muito técnico, ou difícil. Não estamos com muitas inscrições até agora. Mas como sou junguiano, vou seguir o Zeca Pagodinho e deixar a vida levar o evento. Vamos ver no que dá.
Outro dia estava lendo uma coluna do Dráuzio Varella na Folha que deu dó. Acho que a aula também vai ser uma forma de responder às questões que ele levantou. Em suma, ele comentava, bastante desalentado, sobre a dificuldade que as pessoas tem de mudar os seus hábitos. O médico pode ficar repetindo, à exaustão, o saber conquistado por muitos milhões de dólares de pesquisa e décadas de prática. Os fumantes não param de fumar, os obesos não conseguem emagrecer, os sedentários não vão fazer exercícios. Saber o que precisamos fazer é uma coisa, conseguir aplicá-las é outra, muito diferente. Podemos fazer listas e mais listas das coisas que gostaríamos de modificar para ter uma vida mais saudável. Conseguimos até a animação de começar dietas, personal, terapias, pilates, yôga. Tudo isso dura mais ou menos duas semanas. Se você for persistente, umas três semanas, quem sabe. Depois voltamos aos nossos velhos hábitos e seus guardiões, a preguiça e o autoengano. Talvez o mesmo desalento que o Dr Dráuzio sente as pessoas sintam antes de vir a uma palestra onde vão ouvir a lição que sabemos de cor, só nos resta aprender.
Temos os hábitos muito profundamente marcados em nossas redes neurais. Cada ato que repetimos cria uma espécie de sistema que tende a se repetir. A nossa identidade está muito estruturada nessas redes. Um paciente querido pediu o seu boné recentemente da terapia. Foi criado dentro de sua mitologia familiar como aquele que cuida, que se sacrifica pelos outros. Um papel inusitado, já que normalmente essas funções são outorgadas às mulheres.É uma marido dedicado, um ótimo pai, profissional bem sucedido, o que não o torna menos infeliz. A terapia o ajudou a atravessar um período de tormenta em sua vida pessoal e profissional, com depressões incluídas no menu. Mas não conseguimos mexer nessa rede neural do menino triste, que faz tudo certo mas sente-se sempre só e não reconhecido.
Uma Psiquiatria Integrada tenta se haver com esses hábitos, esses softwares profundos que fazem da vida das pessoas uma repetição de erros e cacoetes. Quando dá certo, e frequentemente vai dando certo de uma forma gradativa e não espetacular, essas falsas identidades vão sendo largadas na estrada, dando lugar a modelos mais conscientes de bem estar. É por esse motivo que não basta acertar um remédio sem descobrir esses softwares defeituosos. Nem começar uma dieta se a mesma não for um instrumento de ganho de consciência, inclusive da consciência alimentar. Vou lançar aos meus leitores (todos os doze) um desafio: se você quer aumentar a sua consciência alimentar, já que todos queremos eliminar uns quilinhos, comece diminuindo o tamanho das garfadas. Comendo em porções e garfadas menores, enganamos nosso sistema de saciedade, dando a impressão de que um prato médio é um prato de caminhoneiro. Isso traz saciedade e tira da dieta a impressão de que comemos muito pouco, portanto, vamos morrer de fome. Veja se é mole introduzir esse novo hábito e quantas vezes você vai esquecer de fazê-lo.
Não é fácil mexer com esses hábitos. Mas podemos começar a brincar com eles. Todo dia.
Apesar desses comentários calorosos, a idéia da palestra não está reverberando. Acho que as pessoas o acham muito técnico, ou difícil. Não estamos com muitas inscrições até agora. Mas como sou junguiano, vou seguir o Zeca Pagodinho e deixar a vida levar o evento. Vamos ver no que dá.
Outro dia estava lendo uma coluna do Dráuzio Varella na Folha que deu dó. Acho que a aula também vai ser uma forma de responder às questões que ele levantou. Em suma, ele comentava, bastante desalentado, sobre a dificuldade que as pessoas tem de mudar os seus hábitos. O médico pode ficar repetindo, à exaustão, o saber conquistado por muitos milhões de dólares de pesquisa e décadas de prática. Os fumantes não param de fumar, os obesos não conseguem emagrecer, os sedentários não vão fazer exercícios. Saber o que precisamos fazer é uma coisa, conseguir aplicá-las é outra, muito diferente. Podemos fazer listas e mais listas das coisas que gostaríamos de modificar para ter uma vida mais saudável. Conseguimos até a animação de começar dietas, personal, terapias, pilates, yôga. Tudo isso dura mais ou menos duas semanas. Se você for persistente, umas três semanas, quem sabe. Depois voltamos aos nossos velhos hábitos e seus guardiões, a preguiça e o autoengano. Talvez o mesmo desalento que o Dr Dráuzio sente as pessoas sintam antes de vir a uma palestra onde vão ouvir a lição que sabemos de cor, só nos resta aprender.
Temos os hábitos muito profundamente marcados em nossas redes neurais. Cada ato que repetimos cria uma espécie de sistema que tende a se repetir. A nossa identidade está muito estruturada nessas redes. Um paciente querido pediu o seu boné recentemente da terapia. Foi criado dentro de sua mitologia familiar como aquele que cuida, que se sacrifica pelos outros. Um papel inusitado, já que normalmente essas funções são outorgadas às mulheres.É uma marido dedicado, um ótimo pai, profissional bem sucedido, o que não o torna menos infeliz. A terapia o ajudou a atravessar um período de tormenta em sua vida pessoal e profissional, com depressões incluídas no menu. Mas não conseguimos mexer nessa rede neural do menino triste, que faz tudo certo mas sente-se sempre só e não reconhecido.
Uma Psiquiatria Integrada tenta se haver com esses hábitos, esses softwares profundos que fazem da vida das pessoas uma repetição de erros e cacoetes. Quando dá certo, e frequentemente vai dando certo de uma forma gradativa e não espetacular, essas falsas identidades vão sendo largadas na estrada, dando lugar a modelos mais conscientes de bem estar. É por esse motivo que não basta acertar um remédio sem descobrir esses softwares defeituosos. Nem começar uma dieta se a mesma não for um instrumento de ganho de consciência, inclusive da consciência alimentar. Vou lançar aos meus leitores (todos os doze) um desafio: se você quer aumentar a sua consciência alimentar, já que todos queremos eliminar uns quilinhos, comece diminuindo o tamanho das garfadas. Comendo em porções e garfadas menores, enganamos nosso sistema de saciedade, dando a impressão de que um prato médio é um prato de caminhoneiro. Isso traz saciedade e tira da dieta a impressão de que comemos muito pouco, portanto, vamos morrer de fome. Veja se é mole introduzir esse novo hábito e quantas vezes você vai esquecer de fazê-lo.
Não é fácil mexer com esses hábitos. Mas podemos começar a brincar com eles. Todo dia.
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Espaço "Quattro !" (de novo)
Obrigado mais uma vez pelos comentários. Eles ajudam muito. Para os leitores do blog que quiserem assistir a palestras em que eu dou a impressão inicial de antipatia e arrogância, vamos refazer o evento do feriado no dia 21/05, das 9:30 às 12:00, com direito a cofee break saudável. Informações no (11) 3726 8478. O evento é gratuito e pedimos apenas um kg de ração para cachorros, pois apoiamos uma futura ONG que protege cachorros abandonados. Vamos falar da associação da Psiquiatria com Psicologia Analítica e Nutrição para melhores resultados terapêuticos. Essa associação parece muito óbvia, mas não é.
Já falei sobre ele, mas não custa repetir: esse trabalho é muito influenciado por um colega, o psiquiatra francês David Servant-Schreiber. Estou relendo um livro dele que é mais fácil de encontrar: "Anticâncer" (estou respondendo à leitora anônima que pediu indicação de livro). O título não é exatamente estimulante e parece dirigido a doentes ou profissionais que enfrentam as doenças oncológicas. Pode ter esse uso, mas é muito mais do que isso. É quase um autoexorcismo, além de uma reflexão profunda sobre a vida e a jornada de cura e transformação desencadeada por um grande baque, ou uma grande dor. Daniel teve um diagnóstico, por volta dos trinta anos, de um tumor cerebral agressivo. Quando ele deu a notícia ao seu pai o consolo que poderia oferecer é que estava na mão de bons profissionais e que provavelmente não sofreria muito se precisasse partir. Bem , felizmente ele não partiu e teve uma daquelas curas que a Medicina chama de Paradoxais. O seu oncologista quer usá-lo como exemplo de excelente resposta à Quimioterapia. Ele balança a cabeça e ri. A Medicina tecnicista que praticamos é hoje uma espécie de religião fundamentalista que só acredita em dados e estatísticas. Você pode até morrer, desde que os exames confirmem isso. Daniel não se restringiu ao que a Medicina tradicional, a que eu e ele praticamos, podia oferecer. Estudou as causas do aumento das doenças inflamatória (o Câncer inclusive) e as suas relações com estresse, alimentação, sono e energia vital. Aprendeu Meditação, Visualização, procurou profundamente por suas feridas e bloqueios psíquicos. E fez também a Rádio e a Quimioterapia.
Não posso dizer que o trabalho multiprofissional me seja estranho. Há vinte anos que procuro a interface do meu trabalho com outros tipos de conhecimento. A idéia me veio numa apostila que estudei lá no Instituto de Psiquiatria do HC - FMUSP, no final dos anos 80. O texto era de um psiquiatra que não estava mais lá, Dr Eunofre, e falava sobre as diferentes dimensões de um ser humano que precisamos conhecer.
O trabalho de Servant-Schreiber atualiza para mim a necessidade de um médico ampliar as suas visões para além do campo de ação muito determinado por laboratórios e speakers de interesses estranhos à área.
Vivemos hoje numa civilização inflamatória. Aceleramos todos, o tempo todo, mesmo que seja na direção do precipício. Não vamos mudar o mundo com uma palestra. Mas é um começo.
Já falei sobre ele, mas não custa repetir: esse trabalho é muito influenciado por um colega, o psiquiatra francês David Servant-Schreiber. Estou relendo um livro dele que é mais fácil de encontrar: "Anticâncer" (estou respondendo à leitora anônima que pediu indicação de livro). O título não é exatamente estimulante e parece dirigido a doentes ou profissionais que enfrentam as doenças oncológicas. Pode ter esse uso, mas é muito mais do que isso. É quase um autoexorcismo, além de uma reflexão profunda sobre a vida e a jornada de cura e transformação desencadeada por um grande baque, ou uma grande dor. Daniel teve um diagnóstico, por volta dos trinta anos, de um tumor cerebral agressivo. Quando ele deu a notícia ao seu pai o consolo que poderia oferecer é que estava na mão de bons profissionais e que provavelmente não sofreria muito se precisasse partir. Bem , felizmente ele não partiu e teve uma daquelas curas que a Medicina chama de Paradoxais. O seu oncologista quer usá-lo como exemplo de excelente resposta à Quimioterapia. Ele balança a cabeça e ri. A Medicina tecnicista que praticamos é hoje uma espécie de religião fundamentalista que só acredita em dados e estatísticas. Você pode até morrer, desde que os exames confirmem isso. Daniel não se restringiu ao que a Medicina tradicional, a que eu e ele praticamos, podia oferecer. Estudou as causas do aumento das doenças inflamatória (o Câncer inclusive) e as suas relações com estresse, alimentação, sono e energia vital. Aprendeu Meditação, Visualização, procurou profundamente por suas feridas e bloqueios psíquicos. E fez também a Rádio e a Quimioterapia.
Não posso dizer que o trabalho multiprofissional me seja estranho. Há vinte anos que procuro a interface do meu trabalho com outros tipos de conhecimento. A idéia me veio numa apostila que estudei lá no Instituto de Psiquiatria do HC - FMUSP, no final dos anos 80. O texto era de um psiquiatra que não estava mais lá, Dr Eunofre, e falava sobre as diferentes dimensões de um ser humano que precisamos conhecer.
O trabalho de Servant-Schreiber atualiza para mim a necessidade de um médico ampliar as suas visões para além do campo de ação muito determinado por laboratórios e speakers de interesses estranhos à área.
Vivemos hoje numa civilização inflamatória. Aceleramos todos, o tempo todo, mesmo que seja na direção do precipício. Não vamos mudar o mundo com uma palestra. Mas é um começo.
domingo, 8 de maio de 2011
A Ferida e o Caminho
Finalmente, depois de um longo silêncio, recebi comentários dos leitores desse blog. Obrigado. Eu sei que escrevo um pouco difícil, brinco com umas três idéias diferentes por post, isso acaba intimidando os leitores a se manifestar. Nas minhas aulas, o fenômeno se repete. Teve uma palestra que eu fiz há um ano em que pedi por favor para as pessoas me darem uma devolutiva por e-mail, o que tinham achado e tal e coisa. Só um rapaz se manifestou, dizendo que, apesar da impressão inicial que eu transmito, que é de arrogância e antipatia, após alguns minutos, a palestra engrenou e acabou sendo proveitosa. Eu fiz muitos anos de análise, gente, posso aguentar uma devolutiva dessa e pior, morrer de rir com ela. O fato é que tem sempre muita coisa borbulhando atrás de meus óculos, organizar essas idéias e passá-las não é tarefa fácil. Para isso criei uma personagem, a Vovó, que fala sobre Psicologia Analítica, Psiquiatria e Neurociência para a sua netinha de sete anos. A Vovó é um exercício de simplificação, pois é mais difícil escrever fácil, por estranho que pareça. Maiores informações, tem alguns textos da Vovó no www.marcospinelli.com.br . Talvez eu ressuscite a Vovó um dia desses, aqui mesmo no blog. Por enquanto vou continuar falando em primeira pessoa.
Sobre o filme que citei no post anterior, ele se chama "O Caminho de Santiago de Compostela", não sei se já chegou às locadoras, aos cinemas com certeza não vai chegar. O filme é realizado por Emílio Estevez, ator, filho de um outro veterano ator, Martin Sheen. Emílio faz o papel de Daniel, o filho que vai viajar porque "quer conhecer o mundo". No primeiro dia do Caminho de São Tiago, Daniel é colhido por uma tempestade, sofre um acidente e morre. O seu pai, interpretado por Matin Sheen (a semelhança entre eles dá até aflição),sai de sua vidinha confortável de Oftalmologista respeitado e voa para os Pirineus, na França, onde vai buscar o cadáver de seu filho para trazê-lo para casa. Mas onde é a casa de seu filho? O personagem toma uma decisão paradoxal: pede para cremar o corpo de Daniel, pega a sua mochila e, sem preparo nenhum, resolve atravessar os 800 km do Caminho de Santiago de Compostela. Vai acabar o que Daniel começou. Diante de uma dor tão absoluta, tão definitiva, ele é impulsionado a uma jornada sem saber o seu motivo, sem saber o que vai encontrar nem o porque de empreendê-la. Talvez porque, quando estamos diante da dor e da dúvida, a única saída seja ir em frente, ir em frente sem olhar para trás.
Não é incomum que grandes mudanças em nossa vida comecem com uma perda. Caprichosamente, a vida puxa o nosso tapete e nos obriga a sair em busca de algo. Curar uma doença é uma busca, superar uma separação é uma busca, emagrecer é uma busca. Nesse época em que temos a ilusão que tudo está à distância de um click, que nada demanda paciência e tempo, a vida pode nos colocar de castigo por anos empacados se não procurarmos pelo Caminho. O pai que perdeu o seu filho pode, sim, fazer de sua ferida uma boa desculpa para a inércia. Poderia voltar para casa, virar um alcoólatra, desdenhar da vida e sair do caminho. Ou pode pegar a mochila e por o pé na estrada. O caminho que se faz ao caminhar.
Em nossa prática clínica, lidamos com pessoas com diferentes níveis de ferida. A ferida, como diria Sidarta Gautama, o Buda, é parte inerente à nossa vida. Transformá-la é impulso de poucos. Não adianta se entupir de remédios ou de livros de autoajuda. Precisamos saber fazer perguntas e sair por aí, procurando respostas.
Sobre o filme que citei no post anterior, ele se chama "O Caminho de Santiago de Compostela", não sei se já chegou às locadoras, aos cinemas com certeza não vai chegar. O filme é realizado por Emílio Estevez, ator, filho de um outro veterano ator, Martin Sheen. Emílio faz o papel de Daniel, o filho que vai viajar porque "quer conhecer o mundo". No primeiro dia do Caminho de São Tiago, Daniel é colhido por uma tempestade, sofre um acidente e morre. O seu pai, interpretado por Matin Sheen (a semelhança entre eles dá até aflição),sai de sua vidinha confortável de Oftalmologista respeitado e voa para os Pirineus, na França, onde vai buscar o cadáver de seu filho para trazê-lo para casa. Mas onde é a casa de seu filho? O personagem toma uma decisão paradoxal: pede para cremar o corpo de Daniel, pega a sua mochila e, sem preparo nenhum, resolve atravessar os 800 km do Caminho de Santiago de Compostela. Vai acabar o que Daniel começou. Diante de uma dor tão absoluta, tão definitiva, ele é impulsionado a uma jornada sem saber o seu motivo, sem saber o que vai encontrar nem o porque de empreendê-la. Talvez porque, quando estamos diante da dor e da dúvida, a única saída seja ir em frente, ir em frente sem olhar para trás.
Não é incomum que grandes mudanças em nossa vida comecem com uma perda. Caprichosamente, a vida puxa o nosso tapete e nos obriga a sair em busca de algo. Curar uma doença é uma busca, superar uma separação é uma busca, emagrecer é uma busca. Nesse época em que temos a ilusão que tudo está à distância de um click, que nada demanda paciência e tempo, a vida pode nos colocar de castigo por anos empacados se não procurarmos pelo Caminho. O pai que perdeu o seu filho pode, sim, fazer de sua ferida uma boa desculpa para a inércia. Poderia voltar para casa, virar um alcoólatra, desdenhar da vida e sair do caminho. Ou pode pegar a mochila e por o pé na estrada. O caminho que se faz ao caminhar.
Em nossa prática clínica, lidamos com pessoas com diferentes níveis de ferida. A ferida, como diria Sidarta Gautama, o Buda, é parte inerente à nossa vida. Transformá-la é impulso de poucos. Não adianta se entupir de remédios ou de livros de autoajuda. Precisamos saber fazer perguntas e sair por aí, procurando respostas.
sexta-feira, 6 de maio de 2011
Pelo amor ou pela dor
Ontem escrevi sobre uma personagem querida da saga de "Procurando Nemo": Dory. Para quem está pegando o bonde agora, já estou escrevendo há alguns posts sobre a metáfora da Jornada, em "junguianês", A Jornada Arquetípica ou de Transformação, metáfora muita cara aos junguianos e à nossa cultura.
Agora cedo eu estava fazendo a minha bike, com um truque que uso, que é começar a ver um filme e só continuar na próxima pedalada ( a bicicleta é ergométrica, diga-se). A vantagem é que não vou contar o fim do filme, já que eu não o conheço. O filme é sobre um velho oftalmologista viúvo que recebe a notícia devastadora da morte de seu único filho, acidentado logo no início do seu caminho de Santiago de Compostela. Para quem não sabe, o Caminho de Santiago é uma jornada de 800 km que atravessa Espanha e França, por um lendária trilha onde estariam os despojos de São Tiago. Durante todo o ano milhares de peregrinos percorrem esse caminho em busca de aprendizado e iluminação. No filme, o homem pega as cinzas de seu filho e vai fazer, com a sua mochila e seus instrumentos, o caminho que seu filho não conseguiu completar, deixando um pouquinho dele e de suas cinzas em cada parada. O filme vai mostrar esse homem solitário, acomodado em seu consultório e sua vidinha, tentando se reencontrar com o seu filho e consigo próprio nesse caminho.
No "Nemo" quem vai fazer a jornada é Marlin, peixe-palhaço que passa, no começo do filme, por uma perda profunda e atróz: a sua companheira, Coral, e todos os seus ovinhos são devorados por um barracuda (ou será uma barracuda? Não sei). Resta um ovinho, um filhote, Nemo. Marlin torna-se um peixe medroso e superprotetor. Com todo o amor pelo seu filhote, a figura central de sua vida, Marlin é um pai/mãe sufocante, sempre vigiando e incutindo medo em seu filho. Parece familiar? Bastante familiar, não é mesmo?
Como costuma acontecer, a vida vai dar uma bicuda em Marlin para ele enfrentar os seus medos: o seu filho vai ser capturado por um mergulhador e ele, o covarde de carteirinha, vai ter que se lançar ao mar aberto, para fazer uma jornada às cegas, uma Jornada Improvável. Isso é exatamente o contrário de tudo o que ele vivera: lançar-se aos mares cheios de perigos, sem mapas, sem pistas, procurando o seu filho às cegas. Qualquer um diria que a sua busca é em vão. Não é improvável, é impossível. Quantas vezes ouvimos essa advertência? Nem tente, você não vai conseguir. Marlin não tem opção.
Diz um ditado popular que na vida nos movemos pelo amor ou pela dor. Normalmente pela dor. Marlin vai se mover pelas duas. Mas a principal força motriz é seu amor. É ele que pode remover montanhas. Ou distâncias.
Agora cedo eu estava fazendo a minha bike, com um truque que uso, que é começar a ver um filme e só continuar na próxima pedalada ( a bicicleta é ergométrica, diga-se). A vantagem é que não vou contar o fim do filme, já que eu não o conheço. O filme é sobre um velho oftalmologista viúvo que recebe a notícia devastadora da morte de seu único filho, acidentado logo no início do seu caminho de Santiago de Compostela. Para quem não sabe, o Caminho de Santiago é uma jornada de 800 km que atravessa Espanha e França, por um lendária trilha onde estariam os despojos de São Tiago. Durante todo o ano milhares de peregrinos percorrem esse caminho em busca de aprendizado e iluminação. No filme, o homem pega as cinzas de seu filho e vai fazer, com a sua mochila e seus instrumentos, o caminho que seu filho não conseguiu completar, deixando um pouquinho dele e de suas cinzas em cada parada. O filme vai mostrar esse homem solitário, acomodado em seu consultório e sua vidinha, tentando se reencontrar com o seu filho e consigo próprio nesse caminho.
No "Nemo" quem vai fazer a jornada é Marlin, peixe-palhaço que passa, no começo do filme, por uma perda profunda e atróz: a sua companheira, Coral, e todos os seus ovinhos são devorados por um barracuda (ou será uma barracuda? Não sei). Resta um ovinho, um filhote, Nemo. Marlin torna-se um peixe medroso e superprotetor. Com todo o amor pelo seu filhote, a figura central de sua vida, Marlin é um pai/mãe sufocante, sempre vigiando e incutindo medo em seu filho. Parece familiar? Bastante familiar, não é mesmo?
Como costuma acontecer, a vida vai dar uma bicuda em Marlin para ele enfrentar os seus medos: o seu filho vai ser capturado por um mergulhador e ele, o covarde de carteirinha, vai ter que se lançar ao mar aberto, para fazer uma jornada às cegas, uma Jornada Improvável. Isso é exatamente o contrário de tudo o que ele vivera: lançar-se aos mares cheios de perigos, sem mapas, sem pistas, procurando o seu filho às cegas. Qualquer um diria que a sua busca é em vão. Não é improvável, é impossível. Quantas vezes ouvimos essa advertência? Nem tente, você não vai conseguir. Marlin não tem opção.
Diz um ditado popular que na vida nos movemos pelo amor ou pela dor. Normalmente pela dor. Marlin vai se mover pelas duas. Mas a principal força motriz é seu amor. É ele que pode remover montanhas. Ou distâncias.
quinta-feira, 5 de maio de 2011
Dory
Não é incomum, nas artes como Cinema e Literatura, a metáfora da jornada, do caminho. Noutro dia ouvi uma bonita lembrança de um trecho do Augusto Matraga, de Gimarães Rosa, quando um padre fala para o fatigado personagem: " A vida é como um dia carpindo no sol forte, que demora a passar mas passa, mas todo mundo, meu filho, tem a sua hora e a sua vez". A sensação de estar carpindo, hora após hora, no sol forte não descreve a vida como um todo, mas é uma boa descrição para vários momentos e trechos. Trechos bem difíceis, diga-se. Talvez por isso muita gente se lembre de Dory, adorável personagem da saga de "Procurando Nemo": Continue a nadar, continue a nadar. Dory é uma peixinha com problemas de memória, que aparece na vida de Marlin, o peixe-palhaço que perdeu o seu único filho, Nemo e atravessa muitos mares até encontrá-lo. Desesperado, ele implora por ajuda, pergunta se alguém viu o seu filho capturado por um mergulhador. Dory aponta a direção do barco e sai nadando, seguida por Marlin, só que no caminho esquece o que está fazendo e foge daquele peixe estranho que a está seguindo. Várias vezes Marlin quer se livrar de Dory. A última coisa que ele precisa é de uma peixinha azul descabeçada e com uma síndrome amnésica. De um jeito ou de outro, essa intenção acaba frustrada. Mais de uma vez, ele vai ser salvo ou vai encontrar o caminho por conta da ajuda não intencional de Dory.
Para o nosso mundo do materialismo científico, Dory não existe. Não existe a intervenção do acaso, o mundo é regido por um relojoeiro cego, as coisas se combinam ou não pelo acaso significativo, mas um acaso implacável, não intencional. Dory não é cega, não tem planos, não planeja nada. Ela representa as coincidências estranhas, as micro intuições que nos desviam e retém, aparentemente sem motivo, mas que, ao olharmos para tráz, parecem emissários de uma mão invisível que nos conduz, para lá e para cá, até acharmos o caminho, ou algum atalho.
Na prática clínica, Dory representa aquelas situações sem saída, onde todos os recursos e manobras se esgotaram, que só nos resta esperar. E algo acontece, alguma luz aparece, outras alternativas surgem. É por isso que os junguianos podem ser motivo de chacota. Acreditamos na Dory.
Para o nosso mundo do materialismo científico, Dory não existe. Não existe a intervenção do acaso, o mundo é regido por um relojoeiro cego, as coisas se combinam ou não pelo acaso significativo, mas um acaso implacável, não intencional. Dory não é cega, não tem planos, não planeja nada. Ela representa as coincidências estranhas, as micro intuições que nos desviam e retém, aparentemente sem motivo, mas que, ao olharmos para tráz, parecem emissários de uma mão invisível que nos conduz, para lá e para cá, até acharmos o caminho, ou algum atalho.
Na prática clínica, Dory representa aquelas situações sem saída, onde todos os recursos e manobras se esgotaram, que só nos resta esperar. E algo acontece, alguma luz aparece, outras alternativas surgem. É por isso que os junguianos podem ser motivo de chacota. Acreditamos na Dory.
quarta-feira, 4 de maio de 2011
A Jornada
Ontem eu conversava com uma cliente querida que se queixava de sintomas que os medicamentos nem sempre corrigem: desânimo com a vida, sansação de falta de sentido e, pior de tudo, uma profunda indecisão, uma sensação vaga de incerteza quanto à sua vida e ao futuro. Os colegas diriam: é uma Depressão, cara pálida. Aumenta a dose do antidepressivo e chama a próxima ficha. Não, meus caros. A Depressão, sem dúvida, ela teve, seguiu-se à morte de um ente querido. Isso não é Depressão, não. É uma Jornada Noturna, mesmo.
Vivemos numa época de felicidade compulsória. Observo em alguns adolescentes e adultos jovens que atendo por aqui essa síndrome, uma dependência de baladas. O quadro é assim: o sujeito tem três baladas para ir na mesma noite, geralmente dá perda total alcoólica na primeira e perde as outras duas. Segue-se uma reação de luto e desespero. Eu perdi as outras duas baladas. Sempre a sensação de urgência e de estar perdendo alguma coisa. Não se pode perder nada. Se eu perder, vou ficar fora da festa. Imagine a sensação permanente de urgência e angústia. Tenho que correr, a felicidade me escapa.
A felicidade compulsória (e a compulsiva, que não são a mesma coisa) nos obriga todos à alegria. Temos vários e coloridos livros de autoajuda com fórmulas infalíveis de obter a felicidade que nos é devida. Se não conseguimos, é por pura incompetência e falta de disciplina. Se eu usar adequadamente as técnicas indicadas, não vou sentir tristeza nunca mais. Temos aí um novo quadro dos nossos dias: a culpa por estar doente. Se eu estou doente ou demorando para melhorar, então eu tenho culpa. Complicado, não? Pois é.
Estou dando essa volta toda para chegar ao tema do post: a Jornada de Transformação. Vou começar a comentar sobre isso nas próximas postagens. Mas posso adiantar: toda vez que estamos em processo de mudança ou de transformação, temos a sensação de dificuldade, medo, indecisão, incerteza. Não importa quantos consultores motivacionais gritem em nossos ouvidos solicitando animação e felicidade, não adianta, porque tem dia que você não quer ou simplesmente não consegue sentir toda essa animação. As fábulas, os mitos, os contos de fada descrevem muito bem essa jornada de autoconhecimento e os medos, as incertezas e os monstros que vamos cruzar no caminho, sem saber quando e como chegar. Se você não é adepto da felicidade compulsória, está convidado(a) a nos acompanhar nessa trajetória. Boa viagem,então, ou boa jornada.
Vivemos numa época de felicidade compulsória. Observo em alguns adolescentes e adultos jovens que atendo por aqui essa síndrome, uma dependência de baladas. O quadro é assim: o sujeito tem três baladas para ir na mesma noite, geralmente dá perda total alcoólica na primeira e perde as outras duas. Segue-se uma reação de luto e desespero. Eu perdi as outras duas baladas. Sempre a sensação de urgência e de estar perdendo alguma coisa. Não se pode perder nada. Se eu perder, vou ficar fora da festa. Imagine a sensação permanente de urgência e angústia. Tenho que correr, a felicidade me escapa.
A felicidade compulsória (e a compulsiva, que não são a mesma coisa) nos obriga todos à alegria. Temos vários e coloridos livros de autoajuda com fórmulas infalíveis de obter a felicidade que nos é devida. Se não conseguimos, é por pura incompetência e falta de disciplina. Se eu usar adequadamente as técnicas indicadas, não vou sentir tristeza nunca mais. Temos aí um novo quadro dos nossos dias: a culpa por estar doente. Se eu estou doente ou demorando para melhorar, então eu tenho culpa. Complicado, não? Pois é.
Estou dando essa volta toda para chegar ao tema do post: a Jornada de Transformação. Vou começar a comentar sobre isso nas próximas postagens. Mas posso adiantar: toda vez que estamos em processo de mudança ou de transformação, temos a sensação de dificuldade, medo, indecisão, incerteza. Não importa quantos consultores motivacionais gritem em nossos ouvidos solicitando animação e felicidade, não adianta, porque tem dia que você não quer ou simplesmente não consegue sentir toda essa animação. As fábulas, os mitos, os contos de fada descrevem muito bem essa jornada de autoconhecimento e os medos, as incertezas e os monstros que vamos cruzar no caminho, sem saber quando e como chegar. Se você não é adepto da felicidade compulsória, está convidado(a) a nos acompanhar nessa trajetória. Boa viagem,então, ou boa jornada.
domingo, 1 de maio de 2011
O Caminho se faz ao Caminhar
Ontem finalmente assisti "Comer Rezar Amar" . Não li o livro mas tenho a impressão que o filme não tem como traduzí-lo. O livro conta a história de uma jornada interior de uma escritora, em profunda crise existencial e saindo de um divórcio doloroso. Um curandeiro de Bali profetizara que ela passaria por essa crise e voltaria para lá um ano depois. Liz passa pela Itália, Índia para finalmente chegar em Bali. Essa jornada é contada pelo livro e filme. O seu roteiro e sua busca é aparentemente caótica: ela não sabe o que está procurando nem tem idéia do que fazer para encontrá-lo. Na Itália ela descobre uma palavra: Attraversiamo, o que em tradução livre seria - Atravessaremos. Essa palavra faz parte de um grande quebracabeças que vai se juntando para todo mundo que busca algo em sua vida, mesmo que nem saiba o que está buscando. O filme não pode traduzir o livro porque mostra a parte exterior de sua busca: as viagens, as pessoas, os fragmentos de acaso que vão indicando o caminho. Lembra um velho verso, de um poeta que não sei o nome: Caminheiro, não há caminho. O caminho se faz ao caminhar (El camino se hace a caminar). A parte que interessa, entretanto, é a sua busca interior.
A Pós Modernidade resumiu a nossa vida a Nascer-Produzir-Consumir-Morrer. Não é incomum a sensação que Liz sente de vazio de alma, vazio de sentido. O seu livro virou um best seller pelo simples movimento de sair às cegas em busca de sentido, deixando as suas micro certezas e seus micro confortos para tráz. Ela estava procurando por um amor, uma questão tão delicada para a mulher pósmoderna? Não. Ela estava procurando por sentido e pela própria alma. O marido foi um bônus.
A partir de amanhã, vou começar a fazer uma leitura de uma outra saga: uma animação que já virou um clássico da Pixar: "Procurando Nemo". Vamos falar da vida como jornada de transformação. Attaversiamo.
A Pós Modernidade resumiu a nossa vida a Nascer-Produzir-Consumir-Morrer. Não é incomum a sensação que Liz sente de vazio de alma, vazio de sentido. O seu livro virou um best seller pelo simples movimento de sair às cegas em busca de sentido, deixando as suas micro certezas e seus micro confortos para tráz. Ela estava procurando por um amor, uma questão tão delicada para a mulher pósmoderna? Não. Ela estava procurando por sentido e pela própria alma. O marido foi um bônus.
A partir de amanhã, vou começar a fazer uma leitura de uma outra saga: uma animação que já virou um clássico da Pixar: "Procurando Nemo". Vamos falar da vida como jornada de transformação. Attaversiamo.
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