domingo, 8 de maio de 2011

A Ferida e o Caminho

Finalmente, depois de um longo silêncio, recebi comentários dos leitores desse blog. Obrigado. Eu sei que escrevo um pouco difícil, brinco com umas três idéias diferentes por post, isso acaba intimidando os leitores a se manifestar. Nas minhas aulas, o fenômeno se repete. Teve uma palestra que eu fiz há um ano em que pedi por favor para as pessoas me darem uma devolutiva por e-mail, o que tinham achado e tal e coisa. Só um rapaz se manifestou, dizendo que, apesar da impressão inicial que eu transmito, que é de arrogância e antipatia, após alguns minutos, a palestra engrenou e acabou sendo proveitosa. Eu fiz muitos anos de análise, gente, posso aguentar uma devolutiva dessa e pior, morrer de rir com ela. O fato é que tem sempre muita coisa borbulhando atrás de meus óculos, organizar essas idéias e passá-las não é tarefa fácil. Para isso criei uma personagem, a Vovó, que fala sobre Psicologia Analítica, Psiquiatria e Neurociência para a sua netinha de sete anos. A Vovó é um exercício de simplificação, pois é mais difícil escrever fácil, por estranho que pareça. Maiores informações, tem alguns textos da Vovó no www.marcospinelli.com.br . Talvez eu ressuscite a Vovó um dia desses, aqui mesmo no blog. Por enquanto vou continuar falando em primeira pessoa.
Sobre o filme que citei no post anterior, ele se chama "O Caminho de Santiago de Compostela", não sei se já chegou às locadoras, aos cinemas com certeza não vai chegar. O filme é realizado por Emílio Estevez, ator, filho de um outro veterano ator, Martin Sheen. Emílio faz o papel de Daniel, o filho que vai viajar porque "quer conhecer o mundo". No primeiro dia do Caminho de São Tiago, Daniel é colhido por uma tempestade, sofre um acidente e morre. O seu pai, interpretado por Matin Sheen (a semelhança entre eles dá até aflição),sai de sua vidinha confortável de Oftalmologista respeitado e voa para os Pirineus, na França, onde vai buscar o cadáver de seu filho para trazê-lo para casa. Mas onde é a casa de seu filho? O personagem toma uma decisão paradoxal: pede para cremar o corpo de Daniel, pega a sua mochila e, sem preparo nenhum, resolve atravessar os 800 km do Caminho de Santiago de Compostela. Vai acabar o que Daniel começou. Diante de uma dor tão absoluta, tão definitiva, ele é impulsionado a uma jornada sem saber o seu motivo, sem saber o que vai encontrar nem o porque de empreendê-la. Talvez porque, quando estamos diante da dor e da dúvida, a única saída seja ir em frente, ir em frente sem olhar para trás.
Não é incomum que grandes mudanças em nossa vida comecem com uma perda. Caprichosamente, a vida puxa o nosso tapete e nos obriga a sair em busca de algo. Curar uma doença é uma busca, superar uma separação é uma busca, emagrecer é uma busca. Nesse época em que temos a ilusão que tudo está à distância de um click, que nada demanda paciência e tempo, a vida pode nos colocar de castigo por anos empacados se não procurarmos pelo Caminho. O pai que perdeu o seu filho pode, sim, fazer de sua ferida uma boa desculpa para a inércia. Poderia voltar para casa, virar um alcoólatra, desdenhar da vida e sair do caminho. Ou pode pegar a mochila e por o pé na estrada. O caminho que se faz ao caminhar.
Em nossa prática clínica, lidamos com pessoas com diferentes níveis de ferida. A ferida, como diria Sidarta Gautama, o Buda, é parte inerente à nossa vida. Transformá-la é impulso de poucos. Não adianta se entupir de remédios ou de livros de autoajuda. Precisamos saber fazer perguntas e sair por aí, procurando respostas.

3 comentários:

  1. Olá
    Aprecio muito seus textos que sempre servem de base para minhas reflexões e estímulo para ler mais sobre os assuntos abordados.
    Discordo que sejam dificeis. Acho que vc tem uma grande capacidade de se expressar e de falar de temas profundos de uma maneira leve, mas instigante.
    Adoro as interpretações que faz dos filmes e acabo descobrindo coisas que tinham me passado despercebidas na ocasião que os assisti e fico tentada a ve-los de novo, agora com a percepção mais apurada para ler nas entrelinhas e isso é muito estimulante.
    Por enquanto está dando para ficar sem a vovó. (rs)
    Se possivel, indique livros que acha relevante, assim como os filmes.
    E continue escrevendo! Sou fã!

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  2. Olá, dr. Spinelli!!
    Entender que todos temos feridas e sobretudo que isso é normal e que nos traz condicões de caminhar, impulsionados pelo amor/ dor, pela necessidade de ir, de continuar, já é graaaaaande coisa!!!
    Entender que todos somos assim, nos traz solidariedade e paciencia,dentre tantos outros sentimentos.
    Temos aprendido sobre a jornada!!
    O caminho só se faz caminhando ,é tão obvio e tão profundo...quantas vezes,o que queremos saber mesmo,é onde é a estrada?!!?!(Rs,rs).
    Enquanto, fazer o caminho, certamente é muito mais divertido, mesmo que mais perigoso!!!Mesmo que iniciando numa estrada conhecida e perdendo-se dela para inventar um caminho novo.
    Seguir a jornada...
    Obrigada, dr. Sppinelli!!
    Bj
    Sonia

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  3. Concordo plenamente com a última parte do seu post! Os livros nos trazem tão somente conhecimento... o conhecimento é importante mas quando não o vivenciamos ele passa a ser muito pouco utilizável em nosso dia-a-dia. Não temos que ser ávidos por conhecimento ou por respostas prontas. Temos que ser ávidos em viver... em explorar a vida....mais importante do que obter respostas é viver em "eterna dúvida", pois as respostas acabam por trazer muitas vezes, para quem procura só pela "resposta", "certezas absolutas", as quais nos limitam e não nos ajudam a quebrar padrões....Questionar, esta seria a palavra ao meu ver que faz a grende diferença no caminho...De um jeito ou de outro a vida sempre te coloca devolta na estrada até o momento em que vc é encurralado......aí ou vc se olha no espelho ou continua fugindo dentro da prisão.......A.M.

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