quinta-feira, 5 de maio de 2011

Dory

Não é incomum, nas artes como Cinema e Literatura, a metáfora da jornada, do caminho. Noutro dia ouvi uma bonita lembrança de um trecho do Augusto Matraga, de Gimarães Rosa, quando um padre fala para o fatigado personagem: " A vida é como um dia carpindo no sol forte, que demora a passar mas passa, mas todo mundo, meu filho, tem a sua hora e a sua vez". A sensação de estar carpindo, hora após hora, no sol forte não descreve a vida como um todo, mas é uma boa descrição para vários momentos e trechos. Trechos bem difíceis, diga-se. Talvez por isso muita gente se lembre de Dory, adorável personagem da saga de "Procurando Nemo": Continue a nadar, continue a nadar. Dory é uma peixinha com problemas de memória, que aparece na vida de Marlin, o peixe-palhaço que perdeu o seu único filho, Nemo e atravessa muitos mares até encontrá-lo. Desesperado, ele implora por ajuda, pergunta se alguém viu o seu filho capturado por um mergulhador. Dory aponta a direção do barco e sai nadando, seguida por Marlin, só que no caminho esquece o que está fazendo e foge daquele peixe estranho que a está seguindo. Várias vezes Marlin quer se livrar de Dory. A última coisa que ele precisa é de uma peixinha azul descabeçada e com uma síndrome amnésica. De um jeito ou de outro, essa intenção acaba frustrada. Mais de uma vez, ele vai ser salvo ou vai encontrar o caminho por conta da ajuda não intencional de Dory.
Para o nosso mundo do materialismo científico, Dory não existe. Não existe a intervenção do acaso, o mundo é regido por um relojoeiro cego, as coisas se combinam ou não pelo acaso significativo, mas um acaso implacável, não intencional. Dory não é cega, não tem planos, não planeja nada. Ela representa as coincidências estranhas, as micro intuições que nos desviam e retém, aparentemente sem motivo, mas que, ao olharmos para tráz, parecem emissários de uma mão invisível que nos conduz, para lá e para cá, até acharmos o caminho, ou algum atalho.
Na prática clínica, Dory representa aquelas situações sem saída, onde todos os recursos e manobras se esgotaram, que só nos resta esperar. E algo acontece, alguma luz aparece, outras alternativas surgem. É por isso que os junguianos podem ser motivo de chacota. Acreditamos na Dory.

Um comentário:

  1. esperar....é o que me resta...e o que menos sei fazer.... apesar de o terapêuta tentar me ensinar há uns 8 anos!!!!

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