sábado, 8 de outubro de 2011

Entrevista com a Vovó: Ciúmes da Ex

Há cerca de uma década eu criei, se é que fui eu, a personagem da Vovó. Ela me aparecia na cabeça, por vezes eu chegava a ouvir o seu tom de voz sereno e sua voz rouca. A Vovó conversando com a netinha foi um hit na internet por algum tempo e até hoje chegam alguns textos das duas no meu e-mail. Algumas vezes eu achei a personagem um pouco piegas, mas normalmente as pessoas, sobretudo do sexo feminino, gostam dos textos da velhota. Hoje recebi um e-mail de uma jornalista sobre uma pauta difícil, que é a relação de uma garota com o ciúme da Ex. Vou preparar a entrevista e algumas perguntas para a "visão feminina" da Vovó. Ela deve me ajudar.


- Vó?
- Oi?
- Você estava dormindo?
- Estava é o termo.
- O que?
- Nada. O que foi?
- Espera aí que eu me esqueci.
Esfregou os olhos, já pensando em cochilar de novo.
- Lembrei.
Olhou para ela, já sem esperanças de dormir de novo.
- Por que as mulheres tem ciúme dos homens?
- Que história é essa, menina?
- Outro dia eu li que uma mulher atropelou o marido na frente dos filhos, porque estava com ciúmes.
- E quem falou que é para você ficar lendo essas coisas?
- Eu sei ler, ora... Estava no jornal...
A Vovó ficou numa sinuca: como criticar uma menina que gosta de ler?
- As pessoas andam muito loucas, meu bem.
- Por que?
- Não sei, não... As pessoas dessa geração acham que todos os seus desejos tem que ser realizados... Acham que se tentarem, se colocarem a sua energia num desejo, ele vai se realizar, ele tem que se realizar... Só que não é assim que acontece na vida real, meu bem. Não adianta comer uma caixa de bombom e decorar as comédias românticas, a vida não é uma comédia romântica.
- A Cida é asim?
- O que tem a Cida?
Cida era a empregada.
- Ela vive com ciúmes da antiga namorada do Celso.
- Quem é o Celso?
- É o namorado dela.
- E como é que a mocinha sabe disso?
- Que coisa, Vó, você pensa que eu sou um bebê?
- (Fez uma careta) A Cida é um bom exemplo. Fica caçando foto de ex, fica entrando no Facebook o tempo todo. Daqui a pouco vou colocar essa menina na rua.
- Por que?
- Porque essa geração tem cérebro de minhoca, caramba... Fica obsecada pela própria insegurança. Fuça as coisas do menino, não dá sossego... Uma hora ele vai se cansar e ela vai ficar chorando pelos cantos. De novo.
- Isso já aconteceu antes?
- Um monte de vezes.
- Eu vou fazer isso quando eu crescer?
- Se fizer, eu te pego, menina, eu te pego! (Fez cócegas na menina, as duas às gargalhadas).
- Por que as mulheres brigam pelos homens?
- Porque mulher é um bicho besta, mesmo. Porque está em nossos genes.
- O que é isso?
Coçou a cabeça. E agora?
- Você não gostava daquele moleque com nome de ator?
- O Cauã?
- Esse mesmo.
- Eu não. Ele que gostava de mim.
- E aquela loirinha não ficou com ciúmes?
- Ficou. Até jogou o meu bolo no chão.
- Então, não falei?
- Mas por que a coisa é assim?
- Isso é um instinto, meu bem. A fêmea tem que escolher um macho da espécie para ter seus filhotes, certo?
- Você não vai me contar como elas fazem os filhotes, não é?
Ficou com a face pegando fogo.
- Hoje não. Hoje não. Você só precisa saber que a fêmea de nossa espécie precisa encontrar o melhor macho possível para ter os seus bebês. Ele precisa ser forte, bonito, intenso, amoroso, atencioso, delicado, dedicado e bom pai para os filhotes.
- Só isso?
- É uma boa lista, para começar. Mas podemos resumir tudo em uma coisa só.
- Uma coisa só?
- Uma coisa só: A mulher precisa sentir que é especial. Ela precisa saber que o olhar do homem é todo dela. Não dá para ficar olhando para todos os rabos de saia. Precisa olhar para ela e saber que é especial.
- É disso que a mulher tem ciúmes?
- Do que?
- Da atenção do homem?
- Disso e de muitas outras coisas. Mas o principal é que as mulheres, como a Cida, querem se sentir realmente únicas. Querem que o homem admire e esteja plenamente atento a elas. Querem que os homens olhem para elas como se fossem um bilhete de loteria premiado. Por isso elas se irritam com fotos, presentes e facebooks de exnamorada. Elas sabem que não tem essa de ser amiga de ex. Sempre tem alguma coisa a mais.
- Como assim?
- A mulher, meu bem, quer o desejo do homem. Mesmo que não faça nada com ele. A ex não quer ser amiguinha, quer marcar território, quer estar no pensamento do homem, quer ser a preferida dos amigos, a fofa da sogrinha...
- Caraca...
- O que?
- Nada não.
Coçou a cabeça, ainda pensando no assunto.
- Vó?
- O que?
- Como é que eu posso ajudar a Cida?
- Você não pode ajudar a Cida.
- Quem pode ajudar a Cida?
- O tempo pode ajudar a Cida.
- Como?
- Com o tempo ela vai chorar muito, se descabelar muito até aprender que o problema não é a ex, meu bem, o problema é o cara. O cara... (falou isso sacudindo as agulhas de tricô. A menina evitou o riso).
- O que tem o cara?
- A Cida vai aprender a escolher, meu bem. Escolher um homem que seja homem, que não fique de lero com a ex, que não aceite quando a mamãe convida a ex para festa da família. Um homem que a proteja e a valorize. Para isso, menina, ela precisa descobrir uma coisa.
- O que?
- Ela precisa aprender que se ela não se der valor, os homens também não vão dar. Se ela não souber que é uma mulher legal, que tem tudo que o namorado quer e precisa, vai passar a vida fuçando o celular do namorado, procurando o fantasma da ex. Dane-se a ex. O que interessa é o que ela sente, o que o namorado sente. O resto é fumaça.
A menina deu um pulo da cadeira.
- Onde você vai?
- Vou anotar tudo.
- Que?! Vai anotar para que?
- Vou anotar tudo para escrever um livro de autoajuda.
- Para quem?
- Para a Cida, claro.
- Volte aqui, pestinha...
Só deu para ouvir a porta batendo. E as gargalhadas no corredor.

Um comentário:

  1. Dá até para eu ouvir as gargalhadas no corredor!!!
    Sensacional!!!
    Quantas vezes não somos ou fomos a "Cida"?
    E o pior é ter que admitir que é gostosinho ou irresistível dar uma espiadinha na página da rede social. (Rs.rs.rs).

    Mas me lembrei de quando era adolescente e algum namoradinho ou pretendente dava uma desculpa para poder sair de cena e quanto mais enfático e dramático ele era, mais ficava imaginando a dor do jovem rapaz por nao poder me namorar.
    A imaginação fluía e certamente eu era alguém muito especial, (alguém "over" para o pobre rapaz.Excessivamente qualificada!!).
    E assim seguia naquele torpor adolescente, até conhecer o próximo pretendente e começar a sonhar com o novo namorico.
    O que importava mesmo?
    Eu me sentia tão bela e feliz...tão especial...
    Saber o porquê do fim da paquera, se havia outra mocinha, se ele mentiu...não tinha tanta importância.
    Eu me sentia especial.
    Hahahahhahaah!!!

    Bj
    Sonia

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