quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O Fio de Ariadne: Sandplay e Verdade Terapêutica

Essa postagem é um resumo da palestra proferida, a pedido da coordenação da Jornada. Algumas das idéias já foram descritas em outros posts, então me desculpem por chover no molhado. Vamos nós:


Uma das fontes de discordância entre as diversas correntes de pensamento, quando se trata de Psicoterapias, é quem está descrevendo melhor a Psique. Lembra a história hindú de um bando de cegos palpando um elefante e descrevendo o que tocou. Para um, o elefante é uma tromba; para outro, uma pata; um terceiro pode descrever as orelhas magníficas. Falta, a todos, a visão do Todo. Não é diferente com as formas de abordagem do sofrimento psíquico humano. O curioso é que as Psicologias Profundas foram descobertas antes de outras mais superficiais, mais fáceis de serem testadas pelos métodos científicos. Hoje estamos vendo um esforço quase deliberado em se desacreditar as Psicologias do Inconsciente, tratadas como ficções de seus autores pelos seus detratores. O pior é a falta de diálogo entre os xiitas e sunitas da Psicologia, ou psicologias. Vamos meter a nossa colher nesse angú:
Podemos dividir as dimensões de abordagem da mesma forma que dividimos a leitura de um fenômeno. Ou mesmo, dos níveis de abordagem de um problema comum, de nosso dia a dia:
Vamos pensar num fato simples, comum. Uma pessoa torce o pé e isso lhe causa uma fratura. Abordando no nível 1, isso foi a Manifestação de algo. No caso, de uma ruptura de um osso. Abordagem no nível 1 inclue fazer um raio X, detectar o problema, corrigí-lo, com cirurgia ou gesso. Não sabemos, mas a maior parte de nossas questões são resolvidos no nível 1: caiu, quebrou, SuperBonder colou. Se olharmos com mais detalhe, podemos chegar no nível 2, onde o fenômeno é visto com mais detalhes. Esse é o nível do Significado. Como é a marcha da pessoa? A Biomecânica de suas articulações? Há algum grau de Osteoporose em seus ossos? As ruas onde caminha estão mal pavimentadas? Todos os fatores que foram predisponentes ou desencadeantes do problema são levantados, a prevenção de um novo evento pode ser feita de forma mais ampla. Na vida, quando conseguimos olhar para as coisas com a complexidade do nível 2, já ficamos muito felizes. Na maior parte das vezes, não conseguimos nem um remendo no nível 1. Mas podemos ir ainda mais fundo. Se olharmos com mais detalhe, chegamos no nível 3, o nível do Símbolo. O que esse evento simbolizou naquele momento? A pessoa está estressada, por isso anda sem olhar? Não consegue elaborar um luto, ou uma mágoa, e sai por aí levando tombos? Tem uma doença oculta, um Tumor no Cerebelo ou uma Arritmia Cardíaca, causando as quedas? Esse é o nível de causalidade que as Psicologias do Inconsciente abordam. Se olharmos de forma ainda mais profunda, chegamos no nível 4, que é o nível do Sentido. Isso só dá para saber depois de um tempo. Aquela fratura obrigou a pessoa a ficar em casa, concluindo um livro magistral que estava parado há anos. A fratura tirou o sujeito da correria do dia a dia, deixando-o mais conectado com os ritmos da vida. Esse nível não é para qualquer um. Muita gente duvida mesmo que ele exista. Podemos vê-lo quando uma pessoa agradece por uma doença ou uma adversidade, que lhe causaram sofrimento mas a levaram para outra visão e compreensão da vida. Aquilo teve um Sentido.
A Terapia de Sandplay, criação da suiça Dora Kalff, traz em suas cenas na areia, todos esses componentes. A Expressão, no nível 1, através da montagem de uma cena com miniaturas em uma caixa de areia (que minhas gatas iriam adorar). O Significado, no nível 2, das questões de sua vida. A paciente solitária pode montar uma cena em que está presa numa ilha, por exemplo. A dimensão 3, do Símbolo, pode aparecer numa imagem inocente, de uma menina andando entre os bichinhos e pedras, que mostram uma infância solitária, uma criança, agora com quarenta anos, desconfiada se as pessoas podem ou querem ajudá-la. Analisando as imagens, depois de alguns anos, pode-se ver o Sentido profundo da dor e do sintoma que trouxe a pessoa para o seu processo. Se olharmos com mais cuidado, vamos perceber uma espécie de mão invisível, organizando as miniaturas e o processo. Os junguianos chamam essa ordem invisível de Self. E, bem sabemos, o Invisível, o Inapreensível, anda bem fora de moda.
Finalmente, falamos sobre o filme "A Origem", como uma metáfora desse Inconsciente em camadas. Não adianta ficar plantando idéias nas camadas mais superficiais da psique. Senão, era só repetir algumas fórmulas dos livros de Autoajuda e tudo sairia como planejamos. O filme mostra o desafio de se adentrar as camadas mais profundas do Inconsciente, os porões da Alma Humana. O sonho, dentro do sonho, dentro do sonho que os exploradores de sonhos vão explorar no filme.
Uma personagem do filme é muito cara aos terapeutas: Ariadne, que arrisca a própria vida ou a própria sanidade para ajudar os personagens em seu mergulho, sobretudo Cobb, o personagem de Leonardo di Caprio, que vai até o fundo de seus pecados e culpas para finalmente elaborar e resolver o Sintoma. E qual era o Sintoma? Cobb não conseguia ver, ou entrever, o rosto de seus filhos, nem em seus sonhos, nem em suas lembranças. Ariadne o conduz, no Labirinto de suas dores, às camadas mais profundas de seu Inconsciente, onde, como disse Jesus, a Verdade o libertou.
Ariadne é uma personagem e uma metáfora perfeita para a Psicoterapia do Inconsciente e para a Psicoterapia de Sandplay. Ela demonstra o profissional que põe à disposição a sua estrutura, a sua escuta ou as suas miniaturas para que o paciente preencha esse espaço com o seu Inconsciente. É lá, no nível 3 e 4, que encontramos a verdade. E, se dermos sorte, a Cura.

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