quinta-feira, 20 de outubro de 2011

As Camadas da Psique

Ontem estava lendo um livro que basicamente refuta a maior parte da minha prática clínica. O autor dizia que a maior parte da teorias junguianas e freudianas são ficções, ou religião (em meios científicos, isso é um xingamento). Os sonhos, por exemplo, para a Neurociência Cognitiva, servem para consolidar memórias, elaborar as vivências do dia, distribuir entre os hemisférios essas memórias como forma de dissipar a tensão, os estressores do período de vigília. Não há como corroborar um valor simbólico, ou oculto, dos sonhos, pelo menos pelos métodos científicos disponíveis. Não vou entrar nesse mérito epistemológico, não é o foco desse blog. Desde os tempos bíblicos, ou antes disso, desde os primeiros xamãs que os sonhos são uma via de comunicação com outros estratos de consciência, pessoal e transpessoal. Como a Ciência, pelo menos a tradicional, se atém aos fenômenos materiais, como mencionar algo tão imaterial quanto os sonhos? Será que essa tecnologia de transmissão de imagens visuais via câmeras vai possibibitar que vejamos nossos sonhos em alta definição, no café da manhã? Aposto que não. Os sonhos, como qualquer percepção, são uma reconstrução, retradução no Cérebro de nossos pensamentos, desde os que tivemos na noite anterior até as primeiras impressões de bebê. Reconstruímos os pensamentos, as dúvidas, as imagens, os cheiros e cognições conscientes e inconscientes durante os sonhos. As câmeras vão registrar algumas imagens, como as câmeras de um prédio, mas não as impressões, o enredo, as sobreposições de conteúdos que temos durante o sonho.
Quem está lendo pode pensar que eu me irrito ou abomino um livro que fala que tudo o que se comprova verdadeiro no dia a dia de consultório é na verdade uma peça de ficção ou uma crença religiosa dos altares da Psicologia Profunda. Sinceramente, não. Vou falar em dois dias de um filme que eu nem gostei tanto assim, "A Origem", justamente porque ele apresenta de forma muito didática, a concepção de um Inconsciente em camadas. Um dos personagens, de Léo di Caprio, é Cobb, o cara que concebe e coordena a equipe para entrar no Inconsciente de um mega empresário, Robert Fischer, para implantar uma idéia: a de que ele não precisa imitar o seu pai, recém morto, em sua condução de um grande império corporativo. Para que a idéia seja implantada e cresça, ela deve ser sugerida, trabalhada, elaborada em cada camada de Inconsciente que vão adentrar, via uso de sedativos mais e mais potentes, até chegar num sonho, dentro de um sonho, dentro de um primeiro sonho. Parece complicado, e é mesmo. Mas traz uma luz nas questões e nas pendengas entre as psicologias profundas e as cognitivas. Cobb precisa da ajuda de Ariadne, jovem e brilhante estudante que vai construir os labirintos para entrar no inconsciente do milionário. Cobb não pode ser o arquiteto, pois sempre que ele está nesse lugar, aparece uma sombra de sua mulher, Mal, que morreu e vamos descobrindo no filme de que forma ela morreu e porque a culpa não deixa que Cobb consiga atingir os seus objetivos. São, sob esse aspecto, personagens caros a uma Psicologia Profunda. As psicologias cognitivas, ou mais superficiais, tem a ingenuidade de achar que nosso Cérebro racional pode muito berm lidar ou reprogramar nossas redes neurais profundas, só com o uso do bom senso. Não pode. Quando Cobb olha nos olhos de sua esposa morta e compreende, finalmente, que a sua cobiça, sua ambição cega acabaram provocando a sua morte, finalmente, pôde pedir desculpas e seguir em frente com a sua dor, agora consciente. Só quando essa verdade se manifesta é que todos os nós de Cobb se desatam e ele pode, camada por camada, voltar a superfície. As Psicologias Cognitivas podem, realmente, atingir essa profundidade? Normalmente, não.
O filme "A Origem" fala de muitas coisas, mas traz à tona uma verdade evidente que as diversas psicologias não conseguem admitir: o Inconsciente se organiza em camadas, as micro curas de nossas feridas se dão, quase simultaneamente, em todas elas. É bobagem ficar jogando cascalho no telhado alheio, antes é melhor descobrir o que podemos fazer em cada camada, e que tipo de paciente se beneficia mais ou menos de cada abordagem.
Daqui a dois dias será a aula que eu venho preparando nesse blog há algumas semanas. A aula tentará mostrar que nós, amantes das profundidades, ainda temos muita coisa boa para oferecer para alívio do sofrimento psíquico. E o que é pior, vamos continuar cavocando em busca de respostas.

2 comentários:

  1. Fiz a chamada em outro Grupo no Facebook que faço a moderação : chamado Saúde Quantum
    http://www.facebook.com/groups/174792945886205/

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  2. No livro "Símbolos da Transformação" - Jung cita uma passagem de Nietzsche sobre o Sonho
    "...o sonho nos traz de volta as situações remotas da cultura humana e nos fornece um meio para comprendê-las melhor. O sonho é um descanso para o cérebro, que durante o dia precisa correponder às exigências que a cultura superior faz ao pensamento

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