domingo, 23 de outubro de 2011

Fora do Tempo

Hoje pela manhã já somos bombardeados com notícias de acidentes etílicos de automóvel. Ontem um bancário atropelou dois garis, recusando depois passar pelo teste do Bafômetro. Outro acidente estarrecedor foi da Fórmula Indy, no Domingo passado: um carro desgovernado, pegando fogo, atravessando a pista oval, os outros carros se apertando contra o muro até um strike de muitos pilotos, com um morto. A cena parece uma definição da pósmodernidade, as pessoas correndo em uma pista oval, tentando uma velocidade cada vez maior, para chegar em lugar algum. Mesmo com o carro pegando fogo, o risco de uma catástrofe, que acabou ocorrendo, os caras se apertavam para continuar dentro da corrida. Deu no que deu.
O fato é que a sensação de correria sem sentido acomete a todos. Recolhemos nos consultórios os feridos e avariados, que muitas vezes fazem um pit stop para recarregar a gasolina e voltam depois para a pista, correndo sem motivo e sem enxergar a linha de chegada. As bebedeiras seguidas de acidentes também fazem parte do pacote.
Ontem no evento uma das palestrantes mostrou, através das cenas montadas com miniaturas na Caixa de Areia, a evolução, impressionante, de uma paciente sua, no decorrer de quatro anos. De imagens iniciais, sem figuras humanas e com ilhas de areia que não se comunicavam entre si, as cenas foram ganhando vida, personagens e o desabrochar, que Lury, a terapeuta, comparou com uma crisálida que foi virando uma borboleta. As imagens falavam por si.
Acordei refletindo que o trabalho psicoterápico virou uma ilha de sossego no meio da correria. O trabalho com as miniaturas coloca o paciente numa franja de Não Tempo, mais do que na lentidão, ou no repouso. Fora do tempo, a psique pode voltar a se expressar, a se colocar dentro de imagens que procuram sempre pelo centro organizador no meio da aridez de nossos egoísmos. E correrias.
Tentei falar em minha aula de que a Terapia de Jogo de Areia é uma ferramenta clínica para atingir extratos mais profundos de nossa Psique, onde realmente as mudanças podem ocorrer. Cavamos nessas camadas para desfazer os nós, aguar as plantas, abrir as janelas do que está esquecido e cheirando a mofo em nossa alma. As pessoas procuram por soluções rápidas, epidérmicas, quase mágicas. A pressa termina em um muro de um circuito oval.
Ontem fiquei recompensado de estar em um Sábado fora do tempo. A delicadeza desse Não Tempo se manifestou na última cena, onde cada participante colocou a sua miniatura dentro da caixa e montamos uma cena coletiva. Ninguém se atreveu a interpretar a cena, mas ela obviamente representava o grupo se formando em torno de uma mulher grávida. No meio de escombros e de ferros retorcidos, estamos cuidando de uma gravidez de risco, que é o nosso mundo.

3 comentários:

  1. Ontem, após o término da Jornada Imaginareia deu o que pensar e sentir sobre tudo que vivenciei no encontro. Fiquei com as imagens da paciente da Lury caminhando sobre meus pensamentos, e acompanhar a trajetória dela nos 4 anos terapêuticos, com uma de suas pacientes.

    Da primeira imagem, a falta de sentido, significado, de uma alma solitária com uma enorme ferida exposta, perdida , eu senti o peso daquela alma agonizando. Pensei comigo mesma, o que fazer diante deste sofrimento?

    Aos poucos com cada construção na caixa de areia e o surgimento de mais figuras , comecei a ver submergir as possibilidades, os desejos, sonhos e a esperança adormecida sobre o que se encontrava embaixo da areia. Eu pensei sobre mim mesma em vários momentos, o quanto foi difícil e trabalhoso fazer as descidas... e Deus e meu terapeuta sabem o quanto foi frustrante e cansativo insistir nesse novo nascimento. Inúmeras vezes eu me sentia em um enorme deserto com poucos recursos, e que me provocava mais dor e dúvidas a cada passo adiante ... mas em alguns momentos de descida eu não voltava de mãos vazias... isso foi a magia que me mantinha atenta no caminho, curiosa e me fazia refletir de que talvez no tempo certo eu iria colher algo importante e conseguiria decifrar os enigmas...desfazer um Nó.

    Ah! o tempo tem sido um mestre sábio em minha vida, me ensinou a cultivar a paciência, o respeito e a humildade para comigo mesma, cuidar da ferida com a ajuda do tempo, de que eu não deveria mais ficar na ansiedade das respostas, dos porquês... aprendi a viver o mito das "Horas" que o Cid Marcus em suas aulas de Mitologia frizava tanto, as deusas filhas de Zeus e Têmis que designam os espaços de tempo, representam as horas do dia como das estações do ano. Consideradas as "aias" dos Deuses ou Heróis, guardiãs das portas do Céu, sendo três delas mais conhecidas: Eunômia (crescimento), Dicéa (floração) e Irene (fruto), ao todo eram doze irmãs. Guardiãs da ordem natural, do crescimeto da vegetação, das estações do ano.

    O trabalho terapêutico ao meu ver tem as Deusas Horas trabando em nós em todo processo, sem o tempo, paciência, cuidados não é possível permitir a semente se desenvolver e gerar seu fruto, o tempo necessário para trazer a luz de nossa consciência o novo ser que gestamos dentro de nós.

    Olhando o ritmo de vida do ser humano atual é verificar o contrário dessa forma saudável de viver. O humano não tem a menor noção no que diz respeito ao significado e importância do tempo em suas vidas, e assim cometem tantas catastrofes em suas vidas e na dos outros pela falta de limites. Os gregos tinham um conceito para falar dos que ultrapassam o limite : Hubris- tudo que passa da medida é descomedimento, uma confiança excessiva, um orgulho exagerado, a pressunção que termina sendo punida, um desprezo pessoal do que é alheio, a falta de controle sobre seus próprios instintos....tais qualidades pertencem a Deusa Sofrósina, para essas pessoa falta da noção de virtude da prudência, do bom senso e comedimento.

    Finalizo com uma frase de Eurípedes, grande filósofo da Grécia :

    "Aquele a quem os Deuses querem destruir, primeiro deixam-no Louco".

    LúKháyyám

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  2. Para inspirar sua semana !
    Beijuss


    http://www.youtube.com/watch?v=aTt-PNYNAVI&feature=colike

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