sábado, 8 de outubro de 2011

Steve Jobs e o Herói Ferido

No ano passado eu postei uns três textos sobre o discurso de Steve Jobs em Stanford. Cara, que discurso. Simples, conciso, com uma carga extra de dinamite em cada frase. Depois descobri que ele ensaiava longamente cada trecho, cada inflexão de voz de suas apresentações, até elas parecerem feitas de puro improviso. Nunca vou conseguir esse nível de perfeição. Sempre vou para as minhas poucas aulas com um roteiro na cabeça que pode ir para um lado e para outro, de acordo com a reação das pessoas e o perfil do público. Não se pode dizer que sempre me dou bem nessa empreitada, ou que as pessoas gostem, mas esse é um outro assunto. Steve Jobs, em seu discurso na formatura de Stanford, usou uma regra que sempre norteava as suas apresentações, que é a regra dos três (não a regra de três). Ele sempre dividia as apresentações em três tópicos principais, se concentrava numa quantidade limitada de assimilação da platéia. Dessa forma, Steve dividiu a sua apresentação em três pequenas histórias. Acrescentou até um "no big deal" (não é nada demais) para esvaziar a expectativa das pessoas. Penso que ele resumiu três importantes ciclos de uma vida com essas histórias. O que um Junguiano chamaria de três grandes ciclos arquetípicos: A Criação do Herói, A Sagração do Herói e A Queda.
No primeiro ciclo, ou na primeira das três histórias, ele chamou de "juntando os pontos". Nela, o CEO da Apple descreveu a sua adoção, quando recém nascido. A sua mãe biológica exigia que fosse adotado por um casal com nível superior. Os seus pais adotivos eram simples trabalhadores, bons e honestos, mas prometeram que dariam ao menino um diploma. Steve Jobs entrou numa faculdade cara, mas nunca completou o curso. Preferiu seguir os seus instintos e interesses, o que criaria, anos depois, uma das maiores corporações da era dos computadores, na garagem de seus pais. Ele não entendia as suas escolhas na época, nós as entendemos hoje. Ele chamou essa parte do discurso de "juntando os pontos" porque as linhas tortas com que escrevemos (junto com Deus) as nossas vidas só são mais compreensíveis quando olhamos para trás, alguns anos depois. Só depois de algumas décadas podemos entender onde nossos erros e acertos nos levaram. Steve aconselhou as pessoas a seguirem os próprios instintos. Na segunda parte do discurso, ele descreveu o momento em que foi demitido da empresa que ele mesmo havia criado. Um moleque de vinte e poucos anos com milhões de dólares em sua conta, meteu os pés pelas mãos e acabou na lona, rico e longe de seu brinquedo. Levou alguns bons anos para ele se reerguer e retomar, mais maduro, salvando e tornando a Apple uma das mais valiosas corporações do planeta. Steve avisou aos formandos que em algum momento a vida vai te dar uma tijolada que vai te deixar grogue. Ame o que você faz, e o faça com intensidade. Não se acomode. Prossiga na sua jornada até encontrar o que procura.
Na terceira parte do discurso, ele mencionou o diagnóstico recente de um Câncer de Pâncreas, um dos mais agressivos e mortais que existem na Oncologia. Chegando aos cinquenta anos, Steve Jobs deparou-se com a Morte e a necessidade de dizer em poucos meses o que ele pensava dizer em algumas décadas. O tipo do Câncer era raro e menos agressivo do que pensava, naquele momento, um dos homens mais poderosos do planeta julgava-se a salvo. Sabemos hoje que não estava. A suprema ironia é que os bilhões de dólares que ele tinha na conta não foram nada diante dessa doença devastadora.
Como acontece nessas situações, Steve Jobs foi incensado como um homem que inventou a nossa era, com I-Pods, I-Phones e I-Pads. Foi chamado de gênio para cima. Eu, que sou evidentemente um fã do homem, penso meio tristemente no destino de Édipo. Édipo é um mito tão caro aos psicanalistas, mas é um junguiano que vai utilizá-lo: Quando o menino que viria a ser o rei de Tebas nasceu, o seu pai, Laio, foi a um oráculo que lhe alertou que aquele menino mataria o próprio pai e desposaria a própria mãe. Laio tomou o seu filho e mandou deixá-lo para as feras, após cortar os tendões dos seus pés. Édipo significa "Pés Inchados", por conta dessa mutilação. Como Steve Jobs, Édipo foi salvo por um casal de camponeses, uma gente simples que o acolheu e criou, dando tudo o que estava a seu alcance para aquele menino. Édipo cresceu e tornou-se um rei às custas de sua incrível inteligência, vencendo a Esfinge (A Microsoft? A concorrência?). Depois de feito rei, descobriu-se filho da sua esposa, Jocasta, e sucumbiu à própria ferida, arrancando os próprios olhos.
Édipo representa o Herói Ferido, que usa a própria genialidade para suplantar a sensação de seus pés inchados. Olhando de novo para o discurso de Stanford, tenho a incômoda impressão que aquele era o momento de Steve Jobs descer do trono, pedir o boné e se dedicar profundamente ao curtíssimo último trecho de sua vida. Mas não é fácil deixar de ser Rei. Todos lamentam a morte prematura de um homem que triunfou na selva do mercado. Eu lamento a morte de um homem que soube viver o seu mito pessoal.

2 comentários:

  1. "Lembrar de que em breve estarei morto é a melhor ferramenta que encontrei para me ajudar a fazer as grandes escolhas da vida. Porque quase tudo - expectativas externas, orgulho, medo do fracasso - desaparece diante da morte, que só deixa aquilo que é importante. Lembrar de que você vai morrer é a melhor maneira que conheço de evitar armadilha de temer por aquilo que temos a perder. Não há motivo para não fazer o que dita o coração".
    Steve Jobs

    Bem, muitos de nós já lemos este texto e este trecho várias vezes, mas tive vontade de destacá-lo pois o considero verdadeiramente libertador.
    Dito por alguém que conquistou o mundo, que se manifestou , seguindo
    seus instintos, fazendo, realizando.
    Dou muita importância aos ensinamentos que posso aprender através da jornada de alguém.
    Falo de minha jornada também e se isso for útil para alguém, melhor.
    Tenho a desejar que tenhamos memória longa para Steve Jobs, por tudo o que nos ofereceu e ensinou.

    Abraços,
    Sonia

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  2. Deixo palavras de Steve Jobs para comentar sobre a própria Jornada Heróica.

    "Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões.! Porque quase tudo - expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar - caem diante da morte, deixando apenas o que é importante. Lembrar que voce vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração."
    Steve Jobs

    Bjs
    Luciana

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