domingo, 16 de outubro de 2011

Sandplay

Tem uma frase do Lacan que eu adoro: "Sou onde não penso; penso onde não sou". Ela é muito bonita, mesmo sendo quase ininteligível para a maioria das pessoas. Eu tinha uma provocação que usava com a angústia que os pacientes sentem quando não conseguem falar dentro da sessão: " O Que fala quando você não fala?". As duas frases, ou jogo de palavras meio zen, falam de um dos mistérios de nosso ofício, que é a coisa que pensa dentro de nosso Cérebro e que está atrás de nossa mente tagarela, de nosso eterno diálogo interno. Não são poucas as pessoas que adoecem com um sintoma cada vez mais comum, o "Pensamento em turbilhão", justamente quando esse pensamento se perde dentro de si mesmo e fica dando voltas dentro da cabeça, sem que a pessoa consiga silenciá-lo. O impressionante é que precisamos às vezes de uma dose alta de medicação sedativa para que esse palavrório diminua e a pessoa consiga, finalmente, descansar dentro da própria mente. O Que fala dentro de sua alma quando você para de falar?
A Terapia de Sanplay vai revelar justamente esse ser que se manifesta fora de nosso discurso. Parece complicado de entender? Vou dar um exemplo. Uma pessoa intelectual e articulada, que zomba nas consultas das técnicas e abordagens psicológicas, montou uma cena com as miniaturas na caixa de areia, quase triunfante por achar a técnica boba e infantil. A imagem que apareceu é de uma menina solitária, uma única personagem humana no meio do cenário, cercada de bichos, de plantas e de brinquedos olhando para frente. A cena montadas com as miniaturas mostra todos os personagens apontando na mesma direção. Quando eu mencionei a menina que ela fora, muito solitária, muito cercada de brinquedos e da própria imaginação, ela se emocionou. A sua empáfia científica acabou de desmoronar. Na cena estava o miolo da sua dificuldade: a visão unilateral, sempre para a frente, pela dificuldade de olhar o seu passado. A menina aprendeu a construir o seu futuro para fugir de uma infância difícil, que ela jurou abandonar e nunca mais ficar na mão de ninguém. O preço disso aparecia na cena da areia: independência com solidão. Nenhuma figura masculina em toda a cena.
A Terapia do Sand Play, ou como eu prefiro chamar, a Terapia de Jogo de Areia, é uma técnica e um método de revelação do Incosciente. Ele que é o sujeito oculto da frase de Lacan: "Sou onde não Penso, Penso onde não SOU". É lógico que a frase é uma paráfrase e uma inversão do famosíssimo aforisma de Descartes: "Penso, logo Existo". Genial. O lugar onde eu mais sou é o lugar em que o pensamento não atrapalha a minha verdade. Aí é o Inconsciente, que, como o nome já diz, está fora do meu campo de Consciência. A menina solitária, um pouco triste e sonhadora era a verdadeira identidade daquela mulher descolada, supercrítica e elegante que se apresentava para o tratamento.
Pois essa é exatamente a mágica da brincadeira com as miniaturas dentro do setting terapêutico. Na aula que vou dar no evento do dia 22 de Outubro (vide o post anterior), uma colega sugeriu que eu usasse imagens do filme que vai servir de ilustração para a aula, que é "A Origem". Agradeci a sugestão, mas não vou acolhê-la. A terapia com as miniaturas liberta uma coisa que ficou perdida em nossa infância, que é a nossa capacidade de fantasia, de imaginação. Espero que a aula consiga estimular a imaginação das pessoas. Já temos a nossa imaginação muito colonizada por imagens, por vídeos, por fotos e desenhos, não conseguimos mais, simplesmente, tentar reconstruir um acontecimento em nossa imaginação. Na aula, vou deixar que cada um imagine as cenas com as miniaturas como se a tivessem montado.
Esse talvez seja um grande diferencial desse tipo de terapia: trazer de volta a capacidade de imaginar, fantasiar, fazer associações e finalmente, mostrar ao paciente em 3D o que está escondido atrás de nossas personas tão sofisticadas. Talves é lá, no meio de nossas fantasias, que está a verdade de nosso desejo e de nosso ser.

3 comentários:

  1. O Que fala dentro de sua alma quando você para de falar?

    É o silêncio que não precisa de palavras: a escolha do nome em meu blog se refere a esta fala dentro da minha alma :
    "Além das Palavras...existe outros mundos ", nesse lugar, neste mundo tudo é tecido de textura, de imagens, sons... poucas palavras, o sonho e o desejo se transforma em realidade, basta fechar os olhos e é possível ver e sentir, lá está tudo que é preciso para a paz e a harmonia se reestabelecer em mim, lugar de reflexão, meditação, buscar o conhecimento necessário pra resolver as questões fora de mim, um mundo que aprendi a capturar diante das vivências no set terapêutico, durante os momentos que tenho livre da rotina do dia a dia, eu me dirijo pra esse lugar, é como um oráculo pessoal, e lá estou como uma aprendiz que busca o conhecimento do Deus, da Deusa que me aguarda pra dizer o que preciso ver, prestar maior atenção e me guiar pra onde devo seguir, aprendendo algo novo importante e que sempre me ajuda nos próximos eventos na realidade aqui de fora.
    Bjs

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  2. Interessante. Uma vez ouvi um palestrante que frequento falar que somos aquele primeiro ímpeto...o sentir.... tudo que vem depois disso é processo do pensamento, da mente.... ou seja, sou realmente onde não penso.... depois que penso não sou mais, pois camuflo com a mente aquilo que não gosto de ver... fujo, escapulo pra onde acredito que não "dói" rs........Até quando as pessoas vão procurar fora o que esta dentro???? a busca é pela interiorização e pelo autoconhecimento!!!!.... Mas quantas pessoas aguentam se enxergar sem máscaras? A.M.

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  3. " listen to your soul" A.M.

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