domingo, 4 de março de 2012

Algumas Bolhas de Vazio

Não sei se as pessoas perceberam, mas estou respondendo alguns comentários do blog. Alguns comentários são uma contribuição ou uma expansão do que foi escrito. A esses não respondo porque eles não estão perguntando.
No post em que foi abordado o tema dos vários caminhos de uma Psicologia, por exemplo. Um leitor Anônimo perguntou sobre o Riso que tem depois do vazio. Isso não é um tema de Psiquiatria, por isso delicado de responder.
Passamos tanto tempo de nossa vida fugindo do vazio, ou tentando preenchê-lo, que esse tema do Riso ou do Amor no coração do Vazio é tema mais dos místicos e dos meditadores do que da Psicologia. A Física Quântica também gosta do vazio, ou do Vácuo Quântico, de onde tudo se origina.
Para a Neurociência, o Vazio também não é tão estranho. Talvez toda nova idéia, todo insight, toda criatividade dependa de um pequeno salto, em que um determinado estado de informação passa a outro patamar. É o estado de "Eureka!". Podemos usar os mesmos caminhos, as mesmas redes neurais para as mesmas funções por anos. Um belo dia, em um determinado estado de relaxamento, uma nova idéia pode mudar tudo.Tem um livro que adoro, sobre Alquimia e Homeopatia, que a autora, uma médica homeopata chamada Myria, citou um paciente querido; durante anos a fio, ele sempre foi buscar o pão e o leite pelo mesmo caminho, atravessando algumas quadras para cumprir a tarefa. Depois de muitos anos, resolveu andar mais uma quadra, encontrando o mar. Esse senhor morava há décadas e fazia esse caminho nessas décadas e, num belo dia, resolveu andar mais uma quadra e voltar para a casa pela orla marítima, ouvindo a arrebentação. Ele viu e ouviu o mar como nunca, assim como o caminho de volta da padaria virou algo completamente novo.
Acho que por isso um terapeuta é sempre inimigo do dogma. Nunca existe uma resposta só, muito menos uma verdade imutável. Nesses tempos em que um Criacionista assumiu uma cadeira no ministério da presidente Dilma, é bom saber que a nossa visão das coisas pode saltar e adquirir outros caminhos, sobretudo os caminhos que estão debaixo de nosso nariz.
Uma coisa que já foi abordada nessas mal tecladas é a dificuldade que as pessoas portadoras do que eu apelidei de Transtorno Obsessivo Amoroso tem em respeitar a fenda, a hiância que separa o Eu do Outro. As pessoas que tem essa dificuldade não toleram nenhum tipo de Vazio, nenhuma ameaça de abandono. Já invadem o vazio do Outro com cobranças, mensagens eletrônicas e de celular, posts no Facebook e no Twitter para evitar, a qualquer custo, o Vazio. Quando o candidato a amante reclama que seu Vazio está sendo massacrado pela ansiedade obsessiva do Outro, ou da Outra, pronto, lá vem as ameaças e os dramas que vão acabar de destruir a relação que nem tinha começado. O Vazio é também desesperadoramente necessário para as relações humanas.
Nas minhas poucas aulas eu costumo intimidar as pessoas pelo excesso de fala, portanto também padeço de falta de vazio. Mas vejam como uma simples pergunta pode gerar um post novo nesse blog. Parece que não, mas as perguntas sempre ajudam a esse e a outros autores.

9 comentários:

  1. É lindo! E necessário, o vazio que faz criar o riso e o amor! Lindo e frágil como as bolhas.
    Obrigada.

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    1. Obrigado pelo comentário. Vc gostaria de falar mais sobre isso?

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  2. Que surpresa feliz, a sua resposta! Claro que sim, eu gostaria muito.
    Acho esse vazio quase divino. Além de silencioso, também pode ser um turbilhão, como lava que forma ilhas no oceâno.
    Como é um vazio o que está por vir pode encontrar um lugar e acontecer.
    Criar é divino, envolve amor e risos... E fugaz como sonhar.
    Obrigada por sua pergunta!

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  3. Oi, Anônima(vc não quer se identificar?) Outro dia estava vendo um documentário no SESC TV, com a filmagem de um workshop de um bailarino, ou coreógrafo, ou arteterapeuta, ou tudo isso junto. Ele era um negro alto, falando pausadamente em francês, de origem africana e as pessoas fizeram uma dança circular sagrada com a sua orientação. Ele falava, pausadamente, que a partir desse Silêncio, do Silêncio Profundo, que podemos entrar em contato com nosso verdadeiro Eu e , em seguida, enxergar o outro. O seu comentário me lembrou dele. Obrigado.

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    1. Olá! O assunto é fascinante para mim, ainda mais quando vc mencionou as danças circulares, um grande método lúdico que para mim funciona como terapia (também). Gostaria de saber o nome desse documentário, ou do coreógrafo franco-africano, vc poderia me dizer?
      Grata!

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  4. Oi, penso bastante nisso. Imagino a cena do workshop, de encontro e contato. Esse Silêncio Profundo que dói. É quase cirúrgico, não? Mas depois fica uma marca de sensibilidade pessoal e de vontade de tocar o outro. O que é o mais sagrado da vida.

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  5. continuando:

    Sua lembrança é um presente para mim.

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  6. Soraia Mustapha Jarouche19 de março de 2012 às 00:23

    Dr. Spinelli... como é bom poder estar aqui e, depois de anos (vários e vários e vários...) ter a oportunidade de agradecê-lo. Sou apenas 'mais uma na multidão', mas jamais vou esquecer que você salvou minha vida, sabia? Lendo o post sobre as 'bolhas de vazio', consegui até ouvi-lo. Grande beijo.

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