domingo, 18 de março de 2012

Um Método (Muito) Perigoso

Esse vai ser um final de semana cinematográfico nesse blog. Depois volto para a Psiquiatria Compreensiva e a Neurociência. Está chegando o novo filme de David Cronenberg, “Um Método Muito Perigoso”, que relata o início, os primeiros anos da aplicação do método psicanalítico, a “Cura pela Fala”(Talking Cure), a amizade e posterior rompimento entre Freud e Jung. Óbvio que o foco vai ser os segredos de alcova e não a contribuição gigantesca desses dois médicos e pensadores para a nossa Cultura e Saber Humano. Há alguns anos já havia sido feito um filme com o mesmo tema, “Jornada da Alma”. De novo há uma ênfase no envolvimento amoroso e sexual do psiquiatra Carl Jung com a primeira paciente em quem aplicou o nascente tratamento psicanalítico: Sabine Spielrein. Há tantas e profusas imprecisões que eu, que não sou historiador, posso detectar que nem vale a pena me estender nesse ponto. Em determinado momento, Jung discorre sobre um conceito freudiano, de Transferência e Contratransferência, nos idos de 1906-7, algumas décadas antes dos mesmos terem sido estabelecidos teoricamente. Em um determinado momento, Sabine descreve o desenvolvimento psíquico como a resultante do choque violento de tendências opostas que se atritam e se fundem em nosso mundo interno. Esse é o núcleo de um conceito central do pensamento junguiano, o da Função Trancendente, que ele estabeleceria duas décadas depois. Pelo menos o filme não estabelece Sabine como uma heroína feminista no meio de dois porcos chauvinistas, Freud e Jung. Ela participa, opina, seduz e coloca os dois otários um contra o outro. Foi ela que causou o rompimento dos dois gigantes? Claro que não. Apesar de toda fofoca edípica envolvendo a relação de Freud e Jung, era bastante óbvio que eles teriam que, necessariamente, separar os seus caminhos. Cada um descreveu uma parte importante da Psique humana. Não dava para, naquele momento histórico, eles perceberem isso.
Mostrar Sigmund Freud como um líder neurótico, autoritário e impermeável a críticas, assim como mostrar Jung como um amante sadomasoquista de sua paciente, bem, não contribui muito para o entendimento da obra colossal de ambos. Não é incomum que pessoas com esse nível de criatividade sejam assolados por vários e profundos demônios em sua busca. O filme fala de alguns desses demônios. Quando o terapeuta se abre à escuta de uma ferida psíquica, recebe a carga de dor, esperança e desejo que todo ser humano traz em seu mundo interno. Com o decorrer das décadas e o aprimoramento do método “perigoso”, foram sendo desenvolvidos mecanismos de proteção de terapeuta e paciente nessa empreitada, muitas vezes heróica, que é uma psicoterapia profunda.
Talvez a maior falha desse filme seja essa excessiva ênfase no aspecto humano, demasiado humano de Freud e Jung, em vez de aprofundar em como uma moça promissora, diagnosticada como esquizofrênica e destinada, na época, a viver e a morrer num hospital psiquiátrico, conseguiu se organizar, compreender a própria dor e recuperar a sua capacidade de gerir a própria vida, graças a um jovem psiquiatra que arriscou a própria carreira para aplicar um método experimental, depois conhecido como Psicanálise, para ajudá-la. Esse processo, que transformou Sabine Spielrein de candidata a doente mental crônica em médica, psicanalista e mulher extraordinária que foi, até ser fuzilada por nazistas na Segunda Guerra. Se eu virasse um cineasta, seria essa a história para se contar.

4 comentários:

  1. Mas você está contando de outro modo! Que bom!!! Um abraço.

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  2. Respostas
    1. Oi, Patrícia. Que bom receber o seu comentário. Abç

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  3. Esperava mais do filme, concordo em afirmar que houve uma ênfase no aspecto humano, não revelando a consistência do trabalho de ambos (Freud e Jung). Além de ouvir no final do filme comentários leigos detonando a figura dos dois. Um abs Celise

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