sábado, 3 de março de 2012

A Era do Puer

Conta a Mitologia que havia um filho mortal querido do rei Sol, o deus grego Hélio. Se não me engano, o menino chamava Belerofonte e não me pergunte sobre o gosto dos gregos em escolher nome de crianças. Belerofonte não dá nem para escolher apelido. Podemos chamar de Bel, e imaginar que com esse nome só um apelido um pouco feminino para tentarmos encurtá-lo. Pois o jovem fez algo que caiu nas graças do deus Sol, que encantado prometeu ao moleque que ele poderia pedir qualquer coisa para o papai. Bel pediu para pilotar as carruagens de Hélio, a mesma que fazia, com seus cavalos descomunais, o trajeto do Sol do nascente ao poente todo dia.Hélio logo percebeu a besteira que fizera. Aliás, isso é tema recorrente na Mitologia: quando um mortal aspira um poder reservado aos deuses, geralmente está traçada a rota da tragédia. Depois de tentar demover o moleque de todas as formas, Hélio teve que ceder ao garoto, pois uma promessa de um deus do Olimpo não podia ser quebrada. O garoto até que começou bem, segurando as rédeas dos cavalos gigantescos com confiança. Mas óbvio que o sol, ao se elevar no horizonte, exigiu do pobre uma força que um mortal não poderia ter, os cavalos entraram em disparada e Belerofonte acabou virando cinza.
Estava ouvindo um rapaz dando entrevista sobre a Adolescência numa rádio de notícias conceituada. Sempre gosto de colegas que vão levar conhecimento ao público, mas confesso que fiquei um pouco irritado com o desfile de obviedades que saiu da conversa: os pais não dão limites, o sentido de família se perdeu, os adolescentes estão obesos e viciados no mundo virtual, os pais não estão nem aí, etc, etc, etc. A morbidade psiquiátrica em adolescentes é bem menor do que propõe a mídia, no mais das vezes, em quase dois terços dos casos, a adolescência é um período de muita mudança e transformação orgânica, que a grande maioria atravessa sem maiores problemas. O estereótipo do adolescente desajustado e dos pais abandonadores e sem limites é fixado pela mídia e pelos terapeutas que julgam a sociedade por sua sala de espera do consultório.
O que realmente acontece é que estamos numa época regida pelo arquétipo do Puer. O Puer representa a instância do jovem, do novo, da renovação mas também da infantilidade. Esse foi um pedaço legal dessa entrevista: o difícil não é só fazer os adolescentes deixarem a adolescência; difícil mesmo é fazer com que os pais parem de invadir e disputar a Adolescência de seus filhos. Belerofonte representa os perigos dessa fase, quando os pais ficam embevecidos com seus filhos e colocam em suas mãos os instrumentos de sua própria destruição, em nome desse encantamento.

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