quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Mulheres e Fúrias

Tem uma passagem da Mitologia Grega em que Hércules, em um de seus Doze Trabalhos, segura o Minotauro pelos chifres, empregando uma força descomunal até que o bicho se tranquilizou e perdeu a sua fúria. Essa imagem é muito bonita e na prática clínica representa a força e a determinação que às vezes temos que mobilizar para conter os nossos instintos, as nossas fúrias. Hércules hoje em dia iria terceirizar os Doze Trabalhos com algumas empresas coreanas e indianas, deixaria o touro solto destruindo as cidades e pediria um recall dos chifres do Minotauro, mal ajustados em alguma fábrica de Taiwan.
A imagem de Hércules não é muito fácil de criar empatia com as mulheres. A idéia de segurar as próprias fúrias pelos chifres é meio masculina, mesmo nessa época de mulheres saradas e bombadas. Gosto mais de outro mito, mais feminino, que é o mito de Eros e Psiquê. Nós junguianos falamos dele como se fosse de domínio público, não é. Vou resumir um pouco o seu enredo para abordar o tema desse post.
Psiquê era a mais bela das mulheres, uma beleza louvada e famosa em toda o seu país. A sua beleza era comparada com a própria Afrodite (veja bem, é sempre mal negócio ter um atributo louvado e comparado a um deus do Olimpo. Isso sempre vai gerar excessos e, depois, consequências). Pois de tanto se falar em Psiquê, Afrodite enviou o seu filho, Eros em pessoa, para lançar as suas flechas e fazer a moça cair em desgraça, apaixonando-se por um monstro. O correspondente disso na vida real são as moças belíssimas e idealizadas que acabam se envolvendo com amores bandidos e monstruosos, que podem levá-las à ruína. Eros foi cumprir as ordens de mamãe, mas acidentalmente se picou em uma de suas flechas, apaixonando-se perdidamente por Psiquê. Isso que é o feitiço virando-se contra o feiticeiro, ou feiticeira no caso. Eros acaba desposando Psiquê, mas todos acham que ela se casou com um monstro. Ele a visita toda noite, com a condição de que não pode ser visto, nem seu rosto revelado. Psiquê mora no alto de uma colina, recebe toda a noite o deus do Amor em pessoa, mas o leitor imagina que isso é suficiente? Claro que não. Ela é instigada pelas irmãs a quebrar seu juramento e iluminar o seu marido misterioso. Quando o faz, percebe que casou com um deus de infinita beleza, mas derruba óleo quente de seu candeeiro em seu ombro. Machuca profundamente seu marido com essa traição, ele vai embora, numa época que não havia terapeutas de casal. Psiquê pensa em morrer, mas é impedida pela sogrona, Afrodite, que vai lhe dar quatro grandes tarefas para recuperar o seu amor. A segunda tarefa é que me interessa. Psiquê deveria tosquiar carneiros violentíssimos e gigantes cuja lã era feita de ouro. Como de hábito, ela pensa em suicídio, mas é salva por criaturas mágicas que a ensinam um estratagema: ela deve pegar um caniço oco e se esconder sob as águas de um lago, respirando pelo canudo/caniço até o sol se pôr, quando os terríveis carneiros estão cansados e na sombra. Nessa hora ela pode colher a lã de ouro presa nos arbustos sem ser dilacerada pelas feras.
As mulheres indagam nas revistas femininas e nos divãs por que os homens estão tão ensaboados e ausentes dos relacionamentos. Não percebem que muitas vezes entram na relação com um quantum absurdo de energia e de expectativas, como carneiros furiosos prontos a dilacerar a sua presa por uma pequena falha ou desatenção. Os homens, que também se lamentam nos divãs, fogem embasbacados dessa mulher pósmoderna, já chamada nesse blog da “Mulher-que-surta”. Não é à toa que vemos muitas delas encontrando uma relação mais generosa e tranquila depois da maturidade. Só depois que baixa o sol do meio dia e as expectativas desmedidas, as fúrias de abandono e as ameaças chantagistas que algumas pessoas de ambos os sexos estão prontas para consolidar um relacionamento. Tem gente, infelizmente, que pode adoecer gravemente nesse processo, que pode durar muito tempo. Em alguns casos, as feras nunca se acalmam.
Guimarães Rosa, em uma das várias frases maravilhosas do “Grande Sertâo: Veredas” proclama que ”Deus é paciência. Tudo o que for contrário disso é o Diabo”.

Um comentário:

  1. "Eu quero a sorte de uma amor tranquilo", como o poeta Cazuza dizia...


    Edison

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