domingo, 26 de fevereiro de 2012

Uma Casa, Muitas Moradas

Tem um velho conto taoísta que eu gosto muito. Havia um mestre que recebia visitantes de todo mundo procurando por sua sabedoria. Era acompanhado por um fiel ajudante, que não conseguia evitar de ouvir algumas de suas conversas. Um belo dia ele foi consultado por três homens diferentes, que fizeram a mesma pergunta. Para um ele respondeu sim, para o segundo, não, para o terceiro, talvez. O seu fiel ajudante não aguentou e perguntou, finalmente, como podia dar tantas respostas diferentes para a mesma pergunta. O mestre, inabalável, falou que a resposta era menos importante do que o perguntador: o primeiro deveria seguir o caminho afirmativo, o segundo o caminho negativo, o terceiro o caminho da dúvida. Essa história está no livro “Psicoterapia e Taoísmo”. Gosto muito dela, por diversos motivos. Um deles é a causa da dificuldade de se replicar cientificamente uma Psicoterapia de base analítica. A mesma questão pode ter uma resposta positiva, negativa ou de mais dúvida, para pessoas diferentes.
Essa pequena parábola também fala da diversidade de métodos. Dentro das Psicoterapias temos também os que optam pelo caminho do Positivo, do Negativo e da Dúvida. É claro que hoje o mais popular é o da Psicologia Positiva: desde os gurus de autoajuda até os terapeutas cognitivos, todos querem enfiar alguma idéia positiva na sua cabeça. E funciona? Com certeza, funciona. Nos anos 90 eu tinha um consultório no Itaim, com uma equipe muito legal de funcionários. Tinha um deles, o Toninho, que era um rapaz bacana, bem apessoado, mas sempre mal humorado, macambúzio, que vira e mexe soltava alguma frase do tipo: comigo acontece de tudo. E acontecia, mesmo. Um dia o prédio foi assaltado, e quem levou a coronhada? O Toninho. O elevador quebrava com quem dentro? Ele mesmo. Toninho se converteu, passou a louvar o Criador e a vida, namorou e casou. Deixou de ser um chato pessimista e passou a ser um chato otimista, erguendo louvores e pregando no elevador. Foi um bom negócio? Foi. As coisas melhoraram para ele, mas não para quem subia no elevador.
A Psicologia da Dúvida é mais difícil e cada vez menos popular. Implica em se fazer perguntas que abram novos caminhos. Eu gosto mais dessa. Ela parte do princípio que o único jeito de continuar crescendo é fazendo perguntas, levantando questões, ampliando consciências. Isso tem o seu custo, o principal é a própria dúvida. Tem também uma doença, que é a dúvida estéril, que é o duvidar pelo gosto de duvidar. Ainda assim, vale a pena.
A Psicologia Negativa pode ser creditada ao Materialismo, por exemplo. Não existe nada que não seja a matéria, não há continuidade da do Ser depois da morte, tudo é regido pelo acaso e pelas leis da Matéria. Mas não fica só nisso, não. O Zen Budismo é uma forma de Psicologia Negativa. Negativa não significa ruim, ou pessimista, como o nome sugere. Pode até acontecer da Psicologia Negativa cair na Negação de tudo, o que desemboca na questão do suicídio. Albert Camus, escritor e filósofo, dizia que a única questão filosófica importante é o suicídio. O século passado foi dedicado a essa sensação do Negativo como falta de sentido, e os consultórios estão sempre cheios de quem sofre no meio da Dúvida e da Negação. Mas pode ser que, se mergulharmos bem profundamente no Vazio, vamos encontrar o coração das coisas, onde existe o Riso.
Talvez não exista no mundo nenhum purista nesses caminhos. Podemos seguir o caminho do Positivo para muitas coisas, o da Dúvida para tantas outras e do Negativo quando desistimos de tudo. Jesus disse que a casa do Pai tem muitas moradas. E muitos caminhos.

2 comentários:

  1. O riso existe no vazio? Como?

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    1. Oi, Anônimo. Vou precisar de vários posts para responder essa pergunta. Mas posso te dizer que essa frase se baseia em um conceito zen, que depois das aflições do Ego há um "riso no coração das coisas". Qdo deixamos para tráz as mágoas, os medos, os cansaços, o que existe é o Amor e o Riso. Para nós, o Vazio é sempre feito de desespero, por isso que fugimos dele, o tempo todo. Essa é a idéia da frase.

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