domingo, 5 de fevereiro de 2012

O "Gente Boa"

No início dos anos 90 eu era Preceptor do Instituto de Psiquiatria, o que significava que eu organizava, dava aulas e notas no curso do quinto ano da Faculdade de Medicina da USP. O curso era bem avaliado, fazendo o professor responsável bater no peito nas reuniões da Congregação, orgulhoso e chamando para si o mérito de um Curso que ele nem sabia do que se tratava. Mas essa é outra história. A lembrança dessa época me ocorreu por um pequeno experimento que fiz com meus alunos. Comecei a testar qual o tipo de preceptor traria os melhores resultados: o Paizão, o Gente Fina, o Colega (afinal, eu era uns três, quatro anos mais velho que aqueles alunos) e, finalmente, o Nazista, o Superexigente. Eu apresentava o personagem junto com o curso, na hora de colocar como seria a avaliação e o que eu esperava deles como grupo. O estágio era composto por doze grupos diferentes que passavam um mês lá comigo, então deu para testar muitas fórmulas com as minhas cobaias. Lamento dizer que o melhor rendimento era nas turmas onde eu era o Nazista e o Superexigente. Melhores provas, melhores trabalhos finais. Felizmente não havia sido lançado “O Monge e o Executivo” ou outro best seller exaltando líderes servidores ou “só o amor constrói”. Obviamente que ninguém saiu do estágio direto para a internação na Psiquiatria, a pressão era dosada e adequada para fazer os caras se interessarem por uma matéria que tradicionalmente gostariam de cabular. Mas lamento dizer que o Chegado e o Gente Boa produzia boas avaliações de minha pessoa e aproveitamento pior da matéria. Que me perdoem os Construtivistas.
Estava lendo sobre formas de manipulação das pessoas usando técnicas de impressão de idéias, algo que deve ser matéria obrigatória em cursos de Publicidade. Um tipo de condicionamento muito utilizado é o condicionamento por Dissonância Cognitiva. Para resumir, esse método cria pessoas dóceis através da pressão e do desconforto. Não conheço mas tenho uma forte impressão que as técnicas ensinadas aos “Vendedores Pitbull” passam por esse tipo de estratégia. É como se a pessoa comprasse por medo do vendedor. A Dissonância Cognitiva toca em um mecanismo evolutivo profundo, o Módulo de Dominação e o de Submissão incrustrado em nosso Cérebro Emocional. Em situações de fragilidade esse módulo é ativado, fazendo o sujeito virar um autêntico fanático em algumas semanas. As lavagens cerebrais passam exatamente por esse princípio: isolamento, privação de sono, estímulos desagradáveis e assustadores até o “discípulo” apegar-se profundamente a um grupo ou a um líder que vão salvá-lo do medo e do horror.
Na prática clínica, ouço muita gente se perguntando por que continuam em relacionamentos disfuncionais e desagradáveis, seja no casamento, seja em empregos onde aceitam maus tratos e humilhações nunca antes imaginadas. Estou lá por coragem ou por covardia? – perguntam. Lamento dizer que por habituação. Ou, se eu tiver que escolher um termo, por covardia. Nosso Cérebro aprende pela formação de hábitos e gosta de um ambiente previsível. Outro dia o Zé Simão (jornalista e comediante da Folha de São Paulo) perguntou para sua empregada o que ela faria com o prêmio da Megasena, ela respondeu que compraria um ônibus só seu, para não ir mais apertada. Essa é a força da habituidade na nossa vida: não chegamos nem a imaginar cenários diferentes, a vida parece ser aquilo, sempre.
Como tudo o que precisamos mudar necessita de Aprendizagem e criação de outros campos cognitivos, o que eu posso sugerir é que as pessoas procurem novas experiências, novos empreendimentos e explorações de possibilidades, começando por reagir a todo tipo de abuso. No final do curso eu apontava para os meus alunos que o aprendizado é um prazer e uma exploração de novas fronteiras. Eles estavam quase completando o curso e não era mais necessário um Preceptor fascista para melhorar o seu rendimento. Eles deveriam ser o líder que estabelece os seus próprios objetivos. Mas concordo que os líderes e os parceiros que mais nos cobram tiram mais de nosso esforço. Deve ser por isso que os líderes e namorados “bonzinhos” acabam se dando mal. E as mulheres "boazinhas" terminam abandonadas. Eu sei que o tema é polêmico e convido os leitores(as) a opinarem.

3 comentários:

  1. Dr. Marco, amei o seu texto, me fez refletir em mtas coisas e por alguns minutos pensei em mudar algumas atitudes, sair do ciclo vicioso... mas em seguida já respirei fundo e me perguntei,COMO?
    Obrigada pelos seus textos!
    Bjs
    Claudia Martinelli

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  2. A palavra chave: É Coragem, somos seres de hábitos em quase tudo que fazemos ou pensamos, desde fazer o mesmo caminho de ida e volta para casa como em nossas relações. Aprendi que para mudar é preciso se manter distante das raízes, da fonte que nos é familiar por algum tempo ou mesmo por longos anos. A coragem nasce do ousar e encarar nossos medos que na grande maioria não tem nada de tão aterrador quando enfrentados, essa é nossa barreira porque o medo em nós tem um objetivo: nos manter paralizados . Aprendemos muito cedo ele ir aderindo a nossa pele, tornam-se nossas crenças "crenças estagnantes", nossas verdades. Uma das coisas importantes para nos retirar dos hábitos é nossa gigantesca capacidade criativa, a ïmaginação ativa que Jung propõe como caminho.
    Capacidade de criar imagens, cenários, imaginar algo novo para nossas vida, participar dessas construções dentro de nós mesmos, isso é um treino, uma aprendizagem que precisamos resgatar, trazer para o dia a dia em tudo que realizamos e experienciamos... O curso MindScape que fiz tem essa proposta , ele oferece ferramentas para se trabalhar em estados de Beta e Alpha, ativando o cérebro direito,aumentando de forma incrível nossas capacidades neuronais de comunicação no cérebro, técnicas simples que começam com respiração e visualizações de cores até se chegar a um determinado lugar sugerido e a partir daí algo incrível começa a acontecer , adentramos no mundo das imagens e cada um inicia uma construção, um lugarpara se estar, e neste lugar cada um usará o material que mais lhe agradar. Esse lugar se torna único para cada um , um lugar de trabalho pessoal e que podemos acessar de forma consciente em poucos segundos levando qualquer pensamento,idéia, dúvida, problema, ou o que desejarmos no momento. O resultado é um poder de entrarmos em contato direto com nosso Ser Interior e de lá voltarmos com algo aplicável em qualquer área de nossa vida. Eu tenho praticado diariamente e o resultado é experienciar Sincronicidades com tudo que vivo no meu agora.

    Ando mais ausente, mas é o ritmo do momento, em total conexão , rsrsrs
    Bjs

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  3. Realmente polêmico.
    A impressão que tenho é que quando estamos diante de alguem exigente, meio carrasco, temos um desafio . Há algo a ser conquistado,podendo ser algum respeito, consideração,afeto, onde queremos mostrar que temos valor, que somos capazes.
    Por outro lado, nossa civilização cria suas crianças sob pressão e medo, o que as faz se "acovardar" diante do mais forte e creio que isso cause registros muito profundos, influenciando comportamentos.
    Ser bonzinho é considerado pelas pessoas como algo positivo, pois provavelmente é muito difícil consegui-lo.Demanda muito esforço.
    Ainda temos as questões religiosas.
    Muito complicado.
    Assunto para mais posts...
    Abraços,
    Sonia

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