sábado, 11 de fevereiro de 2012

Vazio Afetivo e Transtorno Borderline de Personalidade

A Psiquiatria vem tentando nos últimos anos sair de um diagnóstico categorial para um diagnóstico dimensional. Isso significa deixar a descrição pura e simples de doenças e quadros clínicos, o que pode levar a várias doenças parecidas com nomes diferentes, apenas para o autor tentar dar o seu nome para uma determinada doença, uma forma meio estranha de se atingir a Imortalidade. Procura-se então descrever os transtornos como espectros sindrômicos; esse palavrão quer dizer que há uma diferença de grau e de expressão na população de determinados sintomas. Dos sintomas leves aos quadros muito graves. Quando a esposa chega em casa e vê a tampa da privada levantada, pode gritar com o marido que imagina que o mundo inteiro tem e usa um pênis para fazer xixi, ou pode tentar acertá-lo com o tampo da privada, numa tentativa de pintocídio. A diferença do grau da resposta pode ser determinada pela distância entre estar cansada/mal humorada após um dia de trabalho ou estar com uma irritabilidade assassina, decorrente de uma doença. Nem sempre é fácil fazer a distinção, e é isso que os psiquiatras tentam fazer todos os dias: traçar um limite entre um quadro transitório e uma doença instalada.
Falamos muito nesse blog sobre os Quadros Obsessivos Amorosos, um nome que eu inventei para a preocupação e o comportamento cada vez mais obsessivo das pessoas com seus sucessos e sobretudo com seus fracassos amorosos. Há um extremo desses quadros obsessivos amorosos, não tão engraçado: os Transtornos de Personalidade do tipo Borderline.
Hoje somos assaltados por histórias e notícias de pessoas que cometem abusos ou violências impensáveis quando se sentem rejeitadas pela pessoa amada. Basta qualquer pessoa medianamente informada para lembrar de espancamentos, perseguições e assassinatos cometidos em nome do Amor. Muitos desses episódios tem homens ou mulheres com traços Borderline de Personalidade. O Transtorno Borderline se caracteriza por uma Hipersensibilidade na relação interpessoal; a pessoa tem um horror impressionante a qualquer tipo de rejeição ou abandono, real ou imaginária. Quando a relação está apenas começando, o Borderline de plantão enche o ser amado de checagens e questionamentos para saber se está pensando/planejando abandoná-lo(a). Isso pode virar um inferno de cobranças e perseguições. O quadro fica pior quando o objeto de amor finalmente se esgota e quer se separar da pessoa, nesse momento já desesperada e obsediada pelo desespero: a perseguição pode nesse ponto se transformar em tragédia e lemos sobre isso todo dia nos tablóides.
Outra característica dos Borderline é a mudança abrupta de estado afetivo. É muito comum que as pessoas vivam aterrorizadas perto de alguém assim, pois nunca se sabe quando ela vai explodir ou gargalhar. Aliás ela pode passar do riso à cólera em alguns segundos, deixando abismada a outra pessoa, que não sabe o que esperar. Mas talvez o achado mais dramático na vida dessas pessoas seja a sensação horrível de vazio e tédio com a própria vida. Essa sensação de vazio que pode viriar crises intensas de angústia. A espiral da angústia pode gerar comportamento de autoagressão e automutilação. Não é incomum a tentativa suicida.
O Transtorno Borderline está muito vinculado a um senso de Ser, de valor próprio muito danificado na vida e formação do sujeito. Achar alguém que a ame ou aceite é uma questão de vida ou morte, pois a pessoa não se sente existente se não for reconhecida e amada pelo Outro.
A Psiquiatria pode encontrar todo tipo de medicamento para auxiliar a pessoa a lidar melhor e transformar os seus sintomas. Mas nenhum remédio pode oferecer a esse paciente a sensação de que a sua vida vale a pena, independente de seu sucesso ou fracasso amoroso. Esse senso nós temos que contruir todo dia e oferecê-lo a nossos filhos: o senso de que nossa vida tem um valor interno, antes que o mundo exterior nos diga o que acha de nós.

3 comentários:

  1. Dr. marco, gostaria de saber se existe pessoas que tem dupla personalidade e como a psiquiatria vê isto. Grata. Claudia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Claudia. Aprendi a responder, finalmente. O Transtorno de Personalidade Múltipla é um diagnóstico raro, que aparece mais em filmes do que nos consultórios. Existem, em todas as personalidades, diversas facetas, então não há uma Dupla Personalidade, mas uma infinidade de possibilidades e facetas, inclusive a capacidade de fazer o bem e fazer o mal. Posso fazer um post sobre isso se vc quiser. Abç

      Excluir
  2. Como ajudar um borderline a entender suas ações, comportamento e procurar tratamento ?

    Pois como Buda disse "somos o que pensamos" e Freud completou:
    " Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais; somos também, o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos...“sem querer“.

    Edison

    ResponderExcluir