sábado, 4 de fevereiro de 2012

O deus Mudança

Vanderlei Luxemburgo foi demitido ontem do Flamengo. Foi a sua quarta demissão seguida, ele que foi o maior treinador do país nos anos 90, mas a sua carreira está em franco declínio desde a sua malfadada passagem pela seleção brasileira, no princípio dos anos 00. Ontem deu uma entrevista coletiva atestando essa fase melancólica, tentando atingir os autores de sua demissão. Em um raro momento de sinceridade, descreveu o seu esforço em se reciclar e compreender o atual futebol, onde os clubes são apenas um bonde onde os jogadores sobem e descem, procurando melhores contratos e visibilidade na mídia. O técnico não é mais a estrela, e se trombar com o cara que traz anúncios para a camisa, no caso Ronaldinho, dança. Simples assim.
Luxemburgo pode não saber, mas enunciou nessa reflexão uma grande questão de nossa vida, muito cara ao Budismo: a característica transitória da vida e as transformações constantes que exigem a nossa capacidade de percepção, antes, e adaptação, depois.
Estava vendo um filme francês dirigido por Abbas Kiarostami, cineasta iraniano reverenciado pelos que admiram um cinema reflexivo e hard cabeça. O nome do filme é “Cópia Fiel”. Tudo bem que eu escrevi sobre o Big Brother ainda nessa semana, mas posso encarar um Kiarostami sem susto. O filme começa mostrando um ensaísta e crítico de arte que foi lançar o seu livro na Itália. Ele conhece, após a sua palestra, uma belíssima francesa, personagem de Juliette Binoche, com quem sai para tomar um café. Os dois percorrem pequenas estradas e diálogos longuíssimos, daqueles que meus filhos param para ver um pouco e perguntam: “Que p...de filme é esse?”. Pois durante o café o cara sai para atender o celular e a moça começa a conversar com a atendente do café, que pensa que são casados. Ela aparentemente embarca na mentira e fala sobre o seu suposto marido, que vive para o seu trabalho e é completamente ausente da vida de seu filho e do casamento. Quando ele volta, ela conta de sua brincadeira, ele embarca na mentira todo sem graça, eles saem do café como se fossem casados. Nesse ponto o filme dá uma guinada, os personagens mudam e eles passam a conversar e brigar como um casal que está celebrando quinze anos de casamento, em crise, com a esposa tentando se sentir novamente desejada e o marido irritado no meio de uma DR (discussão de relacionamento) infinita. Durante um bom tempo o espectador fica em dúvida se eles estão brincando ou se o autor está tirando com a nossa cara. Eles terminam como um casal que tenta se encontrar em uma pequena cidade da Toscana. Os mesmos personagens e atores, que estavam dentro de um filme, com uma história e sem maior aviso, passam a desempenhar outros papéis. A parte que interessa a esse post é uma passagem em que o estranho casal se cruza com um outro casal, na hora de seu casamento, contrapondo a esperança e euforia de um casal recém casado com outro já calejado com quinze anos de convivência. Ele coloca para a esposa que o amor continua, ou melhora, mas que muda, as pessoas mudam, os sentimentos mudam. Causa muita infelicidade ficar revivendo, ou tentando reviver, as emoções de vários anos que ficaram para traz. O que mantém o amor é a atenção, ele menciona no meio da briga. Mas as pessoas mudam, a vida muda.
No final de 2011 coloquei no blog um texto de Jorge Luis Borges. Um de seus aforismas dizia que na vida, construímos sobre areia achando que é pedra, e que, de fato, devemos construir como se fosse pedra a areia.
Esse é um "mandamento" difícil de compreender e mais ainda difícil de seguir. Talvez o que possa transformar as areias do tempo seja a capacidade de construir com atenção plena o que vai inevitavelmente se transformar. Difícil é ver as coisas indo embora e perceber que nem estávamos por lá quando poderíamos.

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