sábado, 17 de março de 2012

O Concerto

Estava vendo um DVD desses filmes que ficam perdidos nas prateleiras das locadoras e não passam pelo circuito comercial. Chama-se "O Concerto", uma produção russa-francesa bem bacaninha, uma fábula sobre o tempo das coisas e as segundas chances que procuramos pela vida. O filme, apesar desses temas, ou da minha leitura, é uma comédia sobre um esquecido maestro russo que caiu em desgraça com o regime comunista nos anos 80 e vive no ostracismo, como faxineiro do teatro onde toca a orquestra do Bolshoi, famosíssima Companhia de Balé russa. Ele pega, por acaso, um fax vindo da França, pedindo uma apresentação na Chatelet, em Paris. Ele rouba o fax e monta uma orquestra "fake", a partir dos seus antigos colegas, que viraram trabalhadores braçais, como ele. O filme me lembra "O Exército de Brancaleone", um filme italiano dos anos 70 sobre um grupo quixotesco, sobrevivendo na Itália medieval apesar de todo tipo de precariedade. O maetro vai reunir uma orquestra improvável e exigir que a violonista seja a jovem e famosa Anne Marie Jacquet . Andrei Filipov, o maestro, vai enfrentando todo tipo de dificuldade e de situações cômicas para reunir e montar a sua orquestra. No decorrer do filme, vamos descobrindo por que o maestro é obcecado pelo "Concerto para Violino e Orquestra" de Tchaikovsky e pela presença de Anne Marie. Filipov fez de sua vida na música a busca da Harmonia Absoluta. Durante a execução desse concerto, nos anos 80, emissários da KGB interromperam o concerto e fecharam a sua orquestra, caindo todos, ele e seus músicos, na desgraça e no esquecimento. Durante trinta anos o maestro regeu essa sinfonia dentro de sua cabeça, até ter a chance de, finalmente, terminá-la.
Gostei particularmente desse filme pelo profundo amor pela música que está em todas as suas cenas. Vou estragar um pouco o final de quem quiser assistí-lo, mas acho que vai valer a pena. Na hora em que a orquestra finalmente se posiciona e começa a tocar a Sinfonia, é lógico que os primeiros acordes são ruins e desencontrados. Quando entra o violino de Anne Marie Jacquet, uma espantosa transformação ocorre: ela incorpora a sua parte com uma emoção tão profunda que contagia a orquestra de Brancaleone, que vai se encontrando a partir de seus acordes. Mesmo quem não gosta ou, mais provavelmente, não conhece a música clássica vai se emocionar com a força da obra de Tchaikovsky e como ela vai se impondo nas cenas finais.
O filme fala de coisas muito caras aos terapeutas e às terapias: a Verdade que, mesmo soterrada por trinta anos, sempre dá um jeito de vir à tona; a busca permanente que temos pelas oportunidades perdidas e pela reparação das injustiças; finalmente, olhamos no olho dos nossos medos, até que eles se mudem de endereço. É uma fábula improvável e inpiradora sobre as nossas jornadas temerárias e como, realmente, o caminho se faz ao caminhar. Ou seja, o dia a dia de qualquer curador ou terapeuta, caminhando por caminhos tortuosos e por fracassos, diários, mas não definitivos.
O fracasso só é definitivo quando nos rendemos a ele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário