domingo, 27 de maio de 2012

Deficit de Atenção, Mesmo

Vivemos numa época em que as prescrições de medicamentos para Deficit de Atenção e Hiperatividade batem recordes e mais recordes, todo ano. Nessa semana mesmo chegou um caso, que eu encaminhei para uma amiga Psiquiatra Infantil, de um menino de seis anos que já está incontrolável, chutando os pais e a professora. Deve começar a fazer algum tratamento para TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Tenho a impressão, assim meio de passagem, que é um Transtorno de Déficit de Atenção dos Pais e de Chinelo, um diagnóstico de ponta que eu vou propor no Congresso (atenção aos leitores com Déficit de Atenção: isso é uma brincadeira).
Uma amiga, psicoterapeuta infantil, me falou que o Déficit de Atenção começa com os pais cansados e sem energia para enfrentar o pequeno monstrinho dentro de casa. Na Civilização Autoestima todos querem terceirizar o serviço sujo. Uma parcela de pais querem terceirizar os cuidados e as funções parentais. Alguém tem de dizer não para os seus filhos, pois dizer não dá muito trabalho. Quando o moleque com seis anos já funciona como um pequeno tirano, que não aceita frustração e sai chutando todo mundo que tenta lhe dar limites, começa um jogo de empurra: a escola recomenda terapia, o terapeuta quer trazer a família para a sua função, a família quer que a escola abrace a causa, a escola já tem muitos problemas e pode perder "clientes" se o menino continuar "causando"; os pais das outras crianças pedem pela expulsão do menino que deixa as canelas de seus filhos roxas e por aí vai. No jogo de empurra, fica faltando alguém fazer contato com a criança, que normalmente está aterrorizada no meio da gritaria. Aterrorizada e solitária, muito solitária para uma criança de apenas seis anos.
Assisti em algumas ocasiões o programa "Encantador de Cães", na TV a Cabo. César é um tampinha que acalma os mais terríveis pitt bulls, os mais assustadores animais, poddles assassinos, malteses histéricos e outras feras. Todos esses bichos estressados tem uma característica em comum: donos e cuidadores absolutamente incompetentes em proporcionar um ambiente tranquilo, em que as regras são simples e sempre aplicadas a qualquer custo. É bastante angustiante identificar no comportamento desses donos de bichos com Déficit de Atenção e Hiperatividade o mesmo comportamento leniente, frouxo e desorganizado de muitos pais na educação de seus filhos. Os cachorros do César, as crianças da Supernanny e as crianças candidatas à Ritalina enfrentam a mesma dificuldade de receber um ambiente continente, com regras claras, com afeto e atenção plena, constante, sobretudo na hora de corrigir um comportamento inaceitável, em todos os casos.
César, o encantador de cães, procura, sempre, estabelecer contato afetivo com a criança, digo, o cão desgovernado. O contato é sempre cheio de uma autoridade serena, que transmite calma e respeito para o bicho, que normalmente está assustado e sem referência, como as crianças. A Psiquiatria insiste que o quadro de Déficit de Atenção e Hiperatividade tem um forte componente genético. Estamos então numa civilização que está selecionando esse traço genético? Nossa alimentação industrializada e pobre em nutrientes está selecionando crianças aceleradas e irritáveis, que vão precisar de medicamentos desde a mais tenra infância? Ou será que em época de hipermídia estamos todos sofrendo de Deficit de Atenção, bombardeados por mensagens conflitantes e conflitadas, mantendo os pais, educadores e terapeutas como baratas tontas, dando cabeçadas?
Ontem eu falei de Warren Buffet, o magnata das Finanças Americanas. Por estranho que pareça, esse post é uma continuação do outro. Precisamos aprender com Warren como estabelecer um método simples, que funcione, que possa ser repetido, de dar uma Atenção Serena para os problemas e enfrentá-los, em vez de cavar buracos de avestruz, cheios de medicamentos.

5 comentários:

  1. Gostei de ler esse artigo, poi é informativo com uma linguagem clara.É preciso diferenciar e esclarecer que crianças cujo comportamento não tem limites na maioria das vezes nao são crianças com TDAH.Parece simples,mas nao e'.O diagnóstico de TDAH em crianças é um diagnóstico multi-profissional, requerendo a participação de professores, psicólogos e médicos.Sou Psicopedagoga,vivo em Chicago e hoje temos que tomar cuidado com o "modismo" que a sociedade apresenta influenciando ate' mesmo os mais cuidadosos.Abracos e parabens!!!!!!!

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  2. Parabéns Marco Antonio - como sempre fazendo um trabalho maravilhoso, obrigada por tudo, desde o início, por ser um Terapeuta com Alma que faz a diferença quanto ao cuidado, acolhimento e compreensão com seus pacientes,trabalho e dedicação em promover saúde em todos os aspectos diante do meio caótico desse mundo em que vivemos.
    Beijuss

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  3. Como foi dito no filme Janela da Alma: tanta TV, tanta informação e midia - é como se estivessemos cegos - cegos de nós, de dentro de nós.
    Cegos de nós e de pessoas próximas a nós (como no caso, os próprios filhos).

    Bjos,
    Lúcia Andrade

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  4. Olha... Até compartilhei com meus amigos filósofos. Nos colóquios, há um ataque desenfreado à psiquiatria por conta da medicalização. Como sempre, o buraco é mais embaixo, e cavar fundo é custoso...
    Cada vez mais percebo como é necessário desenvolver e esclarecer estas "faixas de transição" que foram se construindo em torno do conhecimento científico.

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  5. Estou aplaudindo de pé, meu mestre. ´
    Compartilhando e a partir de agora, seguindo.

    Ana Claudia (vendi algumas enciclopédias no início da faculdade..)

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