sábado, 19 de maio de 2012

Slow Food

No último Domingo eu mencionei o meu período de formação no Instituto de Psiquiatria, com um tom assim meio saudosista, pois naquela época os residentes eram expostos a um maior número de tribos dentro dessa vasta fauna e flora que trabalha com a doença mental. Ontem também teclei sobre a necessidade de se seguir em frente, de fase em fase da vida, sem ficar se amarrando em memórias. Há um grupo de queridos colegas do Ensino Médio do Dante Alighieri que se dedicaram longamente a debater uma festa bacana de debutantes de uma colega. Eu fico escondido do debate mas estou no mail list, então fico abrindo de vez em quando. Quase que não me aguentei e fiz uma intervenção: "Atenção, jovens senhores e senhoras, essa festa aconteceu há trinta e três anos!". Com certeza, tendemos a glamurizar as memórias. Bom, então vamos a esse post com esse equilíbrio entre a recuperação das experiências significativas e a necessidade de se abrir para o que vem por aí, o devir. Uma formação que tivemos na residência e que hoje os jovens psiquiatras nem passam perto é a Fenomenologia. Não se fala mais disso, agora os psiquiatras se expremem em escalinhas de avaliação e entrevistas padronizadas. Eu não vou me estender nessa parte saudosista do texto porque sei que pouco ou nada interessa aos leitores esse debate. Para encurtar a história, o método fenomenológico busca uma penetração profunda no fenômeno antes de se fazer inferências sobre ele. Por exemplo, uma pessoa aparentemente deprimida, como você penetra nesse afeto depressivo? Recentemente, fiz uma avaliação de uma paciente que descreveu, à perfeição, um período difícil de sua vida, com problemas familiares, perdas e crises profissionais. Agora estava tudo melhor, a situação era de franca recuperação. Ela veio para a consulta porque a amiga disse que o psiquiatra que vos tecla era muito legal, mas obviamente que ela não precisaria de nenhuma medicação, principalmente desses remédios psiquiátricos que deixam as pessoas "dependentes". A história fazia muito sentido, ela realmente estava em um viés de melhora e talvez aumentar a carga aeróbica dos exercícios e o tempo sanassem aquela fase difícil. Só uma peça não se encaixava: eu sentia na entrevista uma sensação quase palpável de dor. Quase dava para cortar a tristeza no ar, debaixo do discurso lógico, talvez demasiadamente lógico. O método fenomenológico permite ao entrevistador se aprofundar nessa situação. Esse afeto deprimido é dela ou meu? A história que ela está contando está tocando em algum nervo do entrevistador ou ele estava detectando uma tristeza que a paciente não conseguia sentir debaixo de seu discurso? Depois de alguns minutos foi ficando claro para mim o imenso cansaço que aquela moça trazia em si. Um dos aspectos da Depressão é esse, é o esgotamento depois de uma longa, longa luta. O Cérebro se cansa, bem como a Alma. Resolvi passar para ela essa impressão, que desencadeou uma crise de choro. Bingo. O entrevistador, no caso, eu, estava realmente captando algo que a paciente não estava percebendo. Ela aceitou tomar os meus remédios "terríveis" e depois de alguns dias parecia que estava respirando de novo, acordando com vontade de viver, depois de um longo tempo. Será que se ela tivesse preenchido uma escala de autoavaliação o diagnóstico teria sido feito? Pois eu aprendi no início dos anos 90 este método de examinar a fundo o ser que está na minha frente, antes de sair dando remédios ou distribuindo palpites. Na época tive grandes mestres, Mauro Aranha, Maurício Garrote, as apostilas do Eunofre. Vivemos hoje na época da velocidade, as sensações profundas estão fora de moda e parecem coisas do tempo em que os aparelhos de Ressonãncia Magnética não escaneavam tudo o que ocorre debaixo de nossas sinapses. O fato é que uma das coisas que nos destacam no Reino Animal é nossa capacidade de reflexão. Se pararmos com a correria, vamos conseguir ver e ouvir o Outro. Eu sei que todo mundo quer falar e ser ouvido. Mas podemos ouvir, em profundidade, o que o Outro está dizendo, às vezes sem saber.

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