sábado, 12 de maio de 2012

Andar com Fé Eu Vou

Há uma pequena história, ou lenda sobre São Francisco de Assis, quando alguém lhe pediu para falar sobre Deus: Francesco, em pleno inverno, voltou-se a uma árvore e falou: "Irmão pessegueiro,fale-me sobre Deus". E o pessegueiro abriu-se em floração, em pleno inverno. Gosto muito dessa história, porque mostra muita coisa sobre o que chamamos de Deus. Deus é uma ordem e um efeito. Mas, antes de tudo, é um Princípio que origina e sustenta a vida.
Já falei sobre isso em outros posts, mas volto a dizer: podemos dividir o mundo em quem acredita que há essa Ordem Implícita e quem acredita só na probabilidade, ou na vida se fazendo e desfazendo às cegas e com leis probabilísticas.
No congresso que já mencionei nos posts anteriores, alguns palestrantes disseram que a própria concepção de Divindidade foi cunhada para dar a essa Desordem a idéia de um Deus protetor, que pune os maus e recompensa os bons. Para eles, a concepção de Deus seria uma Defesa obsessiva contra a Incerteza.
Jung escreveu um livro terrível sobre esse tema, o "Resposta a Jó". Jó, para quem não sabe, é um personagem bíblico que venera esse Deus Protetor, que é justo e fiel aos justos e aos bons. O Diabo se aproxima de Deus e faz uma espécie de aposta, de que o amor de Jó só existe porque ele é rico e vive uma vida confortável. Deus topa a aposta e o Maligno retira de Jó toda a sua fortuna e seus filhos. Jó continua fiel a Deus. O Diabo aumenta a sua aposta: deixa a pele de Jó cheia de feridas e escaras. Finalmente, Jó se emputece e amaldiçoa a sua própria vida e a absoluta falta de sentido, de compreensão humana sobre tudo aquilo. Eu não sei o motivo da expressão popular: "Paciência de Jó". Jó tem paciência apenas no início do seu livro. Depois, ele passa o tempo todo emputecido e confrontando os amigos que querem que ele se conforme. A resposta de Jung é terrível: o Deus de Jung não premia os bons e pune os maus; Ele não hesita em arrancar tudo de uma existência ou de uma vida para poder se manifestar. Quando eu vejo a atriz e apresentadora Cissa Guimarães fazendo um programa na GNT, acho que chama "Andar com Fé", eu me lembro da resposta de Jung a Jó. Ela passou pela pior perda que um ser humano pode passar, que é a morte de um filho. O programa é uma espécie de Resposta a Jó, na medida em que ela vai entrevistar várias pessoas e saber de sua experiência, de sua busca. A mais absoluta dor, como perder um filho, nos convida para uma encruzilhada com dois caminhos possíveis: ou desistir de tudo e morrer, ou transformar a dor em ação, em busca, em benefício. No Livro de Jó, a esposa do desafortunado homem chega a sugerir que ele se deixe morrer, rompendo com qualquer tipo de fé. Ele pergunta se ela está louca. Ele não tem nada para perder, agora ele quer ter a experiência direta da Divindade. Ao final do livro, Jó tem a percepção da Ordem Profunda da vida, que morre e renasce todo santo dia. Percebe que a sua dor é um pedaço ínfimo da maravilhosa orquestra da Vida. Tudo lhe é restituído depois disso.
Jung fala a Jó que o seu Deus não só não premia como arranca o couro de seu filhos mais amados. Que a Vida pode, sim, nos dar uma rasteira daquelas e vamos demorar muito para compreendê-la.
Os Carlinhos Cachoeira passeiam em seus jatinhos e os homens de Boa Vontade sofrem todo dia a construção do Bem. E, o mais difícil é enxergar o que é o Bem e o que é o Mal.

4 comentários:

  1. Lindo:
    "Deus é uma ordem e um efeito. Mas, antes de tudo, é um Princípio que origina e sustenta a vida."

    Só é preciso perceber o que Deus diz com a flores e a dores.

    Adorei. Bjus.

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    1. Obrigado pelo comentário. A idéia é essa. Bj, seja quem for vc.

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  2. Olá Spinelli,

    Muito legal! Maravilhoso!
    Seus textos estão sempre nos trazendo questionamentos e nos convidam a reflexão.

    Acho que esta é a principal questão na fé: o sofrimento.
    Seu Deus é pai, que Pai é este que deixa seu filho sofrer?
    A nossa sociedade vê o sofrimento como um castigo. Se eu sou bom, nada de ruim, nenhum castigo, portanto, vai me acontecer.
    Entretanto, esta não é a ordem das coisaas....
    Bjos,
    Lúcia Andrade

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    1. Pois o comentário mais mordaz da aula do Renato Flores foi justamente esse: construímos a imagem de um Deus protetor, que pude os maus e premia os bons para nossa autoproteção psíquica. Jung joga a questão bem para mais adiante: o sofrimento faz parte da experiência da vida e da Trancendência. E, sobretudo, Deus não dá mole para os seus filhos amados. Bj e obrigado pelo comentário.

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