domingo, 6 de maio de 2012

Religião , Ateísmo, Compaixâo

Eu gosto e compartilho o entusiasmo com a Neurociência Cognitiva. A parte mais engraçada é que quanto mais eles metem o pau no Freud, mais validam os seus insights. Mas isso é assunto para outro post. Como todo ramo novo da Ciência, a Neurociência está um pouco inflada, metendo o bedelho em tudo. Está se achando mesmo. Ontem, no Congresso que já mencionei no post anterior, eles foram cutucar na Religião. Felizmente não havia nenhum terrorista ou fundamentalista presente. Ou, melhor dizendo, havia alguns fundamentalistas, mas da nova religião, o Materialismo Científico.
Renato Flores, pesquisador gaúcho que adoro, antropólogo e neurobiólogo, foi cutucando os males causados pela Religião, um subproduto de nossa cultura e de outras. Com um certo sotaque freudiano (tio Sigmund vive mais no Inconsciente das pessoas do que elas gostam de reconhecer), levantou a hipótese que a crença em divindades começa com a percepção da morte. Já há indícios de cuidados com os mortos e os túmulos em fases muito primitivas do Homo sapiens e seus precursores. A angústia diante da vida e da morte que criou uma Mitologia sobre para onde iria o espírito que se desprendeu do corpo. Deuses com formato mais ou menos humanos seriam a manifestação das incertezas e da necessidade de proteção de todos nós. Foi ficando clara a posição algo irônica do Renato sobre as crenças religiosas. Mas vou abrir um parênteses a respeito disso.
No Congresso de dois anos atráz, Renato Flores contou sobre o seu trabalho junto à prefeitura de Porto Alegre, com crianças e famílias vítimas de violência doméstica, inclusive com arbitragem de perda da guarda parental e Conselho Tutelar. Deve ser um charme ter um Neuroantropólogo chefiando esse grupo. Nessa palestra, Renato contou a história de um grande terapeuta desse núcleo: o cachorrinho meio viralata, meio salsicha, chamado Alegria. O nome é por razões óbvias. Alegria tinha uma particular sensibilidade para se achegar a crianças encolhidas de medo e presidiários violentos que lá passavam por avaliação. Uma grande psiquiatra e terapeuta brasileira, Nise da Silveira, também trabalhou com uma equipe de cachorros terapeutas, com resultados incríveis. Alegria fez festa para assassinos, crianças e mulheres espancadas, sorriu para as dores e as almas despedaçadas. Uma semana antes da apresentação, Alegria foi morto à pauladas em um final de semana, provavelmente por uma retaliação ou ameaça de alguma família em risco de perda de guarda. Quando voltei do congresso e contei a história para meus filhos, foi com lágrimas de esguicho, pela morte desse meu queridíssimo "colega". Aliás, anualmente profissionais de saúde mental são agredidos e eventualmente mortos em sua luta anônima para diminuir o sofrimento humano. Nessa aula de dois anos depois, Renato contou que acrescentou ao seu trabalho um Grupo de acolhimento e proteção de cachorros abandonados. É, sem dúvida, a única forma de se lidar com a violência e a estupidez humana: transformar o ato violento em mais compaixão, em mais cuidado. Que outra homenagem Alegria iria querer?(no momento que escrevo isso, emocionado, minha cachorrinha bebê, Scarlett, começou a lamber a minha mão. Mistérios que a Neurociência não consegue explicar).
O cara deu a aula alfinetando o uso que os grupos fazem da Religião em uma ferramenta de guerra e de intolerância, criando dinâmicas de "Nós" contra "Os Outros". Ou, "O meu Deus é melhor do que o Teu". Ao mesmo tempo, trabalha com os massacrados, os abandonados, os feridos pela vida e pela violência humanas. Como Jesus faria.

2 comentários:

  1. Fiquei também muito triste com a história do Alegria....
    Com relação a ciência e religião, aí vai alguns comentários de quem trabalha com ciência e acredita na religião:
    1. A ciência tem seus dogmas (assim como a religião);
    2. A ciência é também um credo com postura igualmente radical;
    3. A ciência está permeada de preconceito, e suposições sem fundamento (fé, portanto);
    4. A ciência também tem seus sumos sacerdotes, suas vacas sagradas, escrituras referenciadas, exclusões ideológicas, e seus rituais para suprimir os dissidentes;
    5. A religião nos deu a inquisição, a ciência a bomba de Hiroshima;
    6. A religião nos faz ser solidários, amar e respeitar o outro; a ciência nos deu o conhecimento para tratar as doenças e a tecnologia.
    Tentar acertar - acho que é um projeto da ciência e da religião.

    Bjos,
    Lúcia Andrade

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    1. Obrigado pela contribuição, Lúcia. Esses ítens dão uns seis posts. Abç

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