quarta-feira, 9 de maio de 2012

A Dialética da Duração II

Uma pequena historinha budista, que tem várias versões, mas o final é sempre o mesmo. Ela constava inchusive de palestras motivacionais, com esses animadores de auditório que gritam "vamo'lá!" e ganham os tubos para perpetrar umas obviedades. Mas estou tergiversando, desculpem os leitores e leitoras. Vamos à historinha: " Um homem andava pelo campo, apreciando a beleza da paisagem, quando se viu espreitado por tigres que estavam precisando de um lanchinho. Ele sabiamente saiu correndo por sua vida, sendo seguido pelos bichos, até que chegou à beira de um precipício. Desesperado, acabou caindo pela encosta e escapou da morte se agarrando a um arbusto. Quando olhou para baixo, percebeu que, deixando-se cair no precipício, havia lá embaixo mais alguns tigres com cara de fome. Subindo, os tigres que provocaram a queda lambiam os beiços. E, como não era o seu dia de sorte, o arbusto também começou a ceder. Diante do inevitável, olhou para o arbusto e viu, em meio às folhas, um belo morango. O que ele fez? Comeu o morango". Quando eu conto essa historinha, em aula ou em sessão ou no meio de uma conversa, posso notar a expressão de quem está esperando o final da história. Uma cara de "E...?". E..., nada. Termina aí, mesmo. Como toda historieta zen, permite uma infinidade de interpretações e, o bom mesmo é não ter nenhuma interpretação. Imagino que o jeito zen de lê-la é fechar os olhos e saborear o morango por uma eternidade. Essa é a melhor interpretação: não pense, sinta. Não há passado, não há futuro, só há o morango. Mais decepção? Há uma cena belíssima da trilogia do "Senhor dos Anéis" em que Gandalf, o mago, conversa com o hobbit Frodo sobre a nossa curta passagem por esse mundo. Ele explca para o atento baixinho que temos um tempo nessa passagem, e que uma grande questão para todos é como vamos fazer valer esse tempo, o nosso. Como fazer valer o nosso tempo? Eu penso que essa pequena parábola fala das fases da existência. Passamos metade de nosso tempo finito temendo a vida, correndo de nossos tigres e de nossos sustos. De tanto fugir, acabamos caindo nos precipícios das doenças e do medo maior, que é o medo da morte. Olhando para baixo, sabemos que se escaparmos da queda, ainda assim vai nos esperar, fiel e implacável, a morte. Podemos passar o nosso tempo fugindo, de enfrentar uma ou outra, vida e morte. O que temos, para além da parte de baixo ou de cima do precipício, é a duração. A duração, para mim, é o morango.

4 comentários:

  1. Eu adoro o morango! Isso não é uma metafora. rssss. Mas poderia ser.

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  2. SPINA,

    PRA VARIAR UM POUCO VOCÊ CONTINUA ESCREVENDOO... TÃO BEM... PARABÉNS!!!! AMEI!!!!!

    LELÊ

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    1. Obrigado aos três comentários. Difícil mesmo, meninas, é provar do morango enquanto o arbusto está esgarçando (rsrsr). Abçs

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