domingo, 13 de maio de 2012

Psicoterapias, psicoterapias

A Folha de São Paulo de quase uma semana atrás trouxe uma entrevista com um psicólogo, terapeuta comportamental/cognitivo americano, Dr Jonathan Alpert, que publicou um artigo no New York Times desancando as psicoterapias de orientação analítica. Eu não li o artigo, mas li a entrevista e ensaiei discorrer sobre ele em alguns rascunhos desse blog, mas sempre parava na hora em que começava a usar adjetivos como “bobalhão”, “pretensioso” ou “purinho”. Ele mesmo comentou que recebera algumas mensagens com impropérios em sua Caixa de Entrada.
Já mencionei em outros posts que fiz a minha Residência em Psiquiatria em uma época muito bacana do Instituto de Psquiatria do H.C., com um vasto leque de profissionais e de linhas terapêuticas para a gente aprender. Era um verdadeiro menu de degustação. Receio que os jovens psiquiatras de hoje não tem tanta oportunidade de aprender com fenomenólogos, psicanalistas, junguianos, psicodramatistas, psicofarmacólogos e neuropsicólogos como tínhamos no início da década de 90. A gente podia encostar e aprender a montar a psiquiatria que quiséssemos. Foi naquela época que tomei contato com a Terapia Comportamental. Ela propunha uma abordagem mais direta dos sintomas, com resultados mais fáceis de serem medidos em pesquisas. Lembro de um caso que herdei de um grande terapeuta comportamental. Ele trabalhava com uma paciente a sua ansiedade fóbica quando exposta socialmente, a Fobia Social. Ele saía com ela vestido de forma ridícula, de forma a atrair o máximo de atenção para eles. É lógico que a moça se apaixonou por ele, e era uma mulher muito bonita. A terapia comportamental desandou e ela foi para um trabalho mais analítico. Um fenômeno conhecido há mais de século, a Transferência. Não posso dizer que a evolução da moça foi das melhores. Ela tinha uma lesão de alma muito profunda e um jovem terapeuta em formação também não deu conta. Alguns anos depois, no consultório, atendi a irmã da paciente, que tinha a mesma ansiedade e alterações de humor. Hoje em dia seria chamada de Bipolar, na época foi chamada de Esquizofrênica. Um trabalho compreensivo, aliando medicamentos e a elaboração de suas feridas, ajudou-a a encontrar um ponto de equilíbrio, com menos oscilações de humor. A Transferência foi melhor aproveitada então. Os resultados com um trabalho mais diretivo, trabalhando a sua irritação e explosões com o marido, teria sido mais bem sucedida? Não, não seria.
A nossa Psique se organiza em camadas, como as nossas memórias. A Psicologia teve o estranho fenômeno de ter sido descoberta inicialmente em suas camadas profundas e só depois foram descritas e trabalhadas as suas camadas superficiais. Engraçado como as pessoas e os pesquisadores tendem a se alfinetar e tirar a importância dos vizinhos em vez de se tentar uma abordagem mais integrada. Dr Jonathan Alpert observou que se a terapia está empacada, ou se você está há muito tempo em terapia e não vê resultados, pule fora. Eu concordo e discordo, absolutamente. Há momentos em que a psicoterapia, como qualquer tratamento, empaca, fica dando voltas no mesmo ponto, com erros e discursos repetidos. Esperar, ter paciência, procurar caminhos terapêuticos diferentes, pode mudar o rumo de uma vida. Vivemos no mundo do fast food, até o sexo virou fast food, uma psicoterapia profunda é um dos últimos redutos da escuta paciente, da slow food da transformação. Se for abortada quando está em dificuldades, pode abortar muita coisa naquele desenvolvimento. Dr Jonathan pode ter tocado nesse ponto. Da mesma forma, existe um tipo de psicoterapia que eu apelidei carinhosamente de “Terapia Penico”. A pessoa volta semanalmente e deposita as suas angústias no urinol analítico. Esse tipo de terapia serve para o paciente reforçar e referendar a sua neurose. A culpa é dos outros. A figura do terapeuta é de uma pessoa continente, compreensiva, que pode passar anos perguntando: “Como você se sentiu em relação a isso?”. Essas terapias não tem como foco o trabalho e o alívio dos sintomas. Isso melhoraria com o desenvolvimento da psique, como um todo. Senhores, não estamos mais na Viena do final do século XIX. Podemos voltar a nossa atenção à melhora dos sintomas.
Pelo visto vai demorar muito tempo, ainda, para criar abordagens integradas e integrativas em nossos clubinhos terapêuticos. Eu diria a Dr Jonathan que ele falou muita coisa certa em sua entrevista. Mas pode passar lá no consultório para conversarmos sobre o papai.

9 comentários:

  1. Conhecendo por longo tempo como o processo degustativo psicoterápico acontece eu não tenho muito a comentar após ler suas colocações sobre psicoterapias e com certeza o Dr. Jonathan se beneficiária muito de uma conversa contigo sobre o papai, rsrsrs.
    Boa Semana Dr. Marco Antonio
    Bj

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    1. Obrigado por mais uma participação, Lú. Dr Jonathan não vai me procurar, provavelmente. Espero que ele aprenda a respeitar o Tempo das Coisas. Bj

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  2. prezado Marco.. não é possível seguir seu blog? um abraço!

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    1. Oi, Denise. Obrigado pelo interesse. Não sou um expert no assunto, mas qdo alguém abre o blog, já aparece uma opção para ser um seguidor. Vc será muito benvinda. Abç

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  3. Cada vez mais me convenço de que não é a abordagem, mas a capacidade de ser confiável do terapeuta. Embora algumas terapias sejam mais atraentes do que outras! Gosto muito da ideias das camadas de terapias, das mais superficiais até as mais profundas,ou o contrário.

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    1. Eu acredito nessa sua idéia. Não acredito em Terapias, mas em terapeutas. Sobretudo, nos terapeutas que tem alma no que fazem. Obrigado pelo comentário.

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  4. Dr Spinelli,
    Muito bom o seu post.

    Acredito que a falta de integração dos "clubinhos" somente prejudica os pacientes; pelo não acesso (ou simples omissão) a diagnósticos diferenciais e determinadas linhas terapêuticas que poderiam ter sido consideradas.

    Cabe ao profissional conhecer, para poder identificar e aplicar a terapia correta a cada caso (ou a cada fase do caso, suponho).
    Exemplos de agravos patológicos não nos faltam. Estão nos congressos, na midia e nos consultórios ... e sempre começam com um diagnóstico equivocado ou "da moda".
    Não deixa de ser um propedeuticocídio (não resisti ao termo..rs).

    Admiro sua mente aberta e penso que isto, aliado ao seu conhecimento "variado", aumentam sua acuracidade diagnóstica e sucesso na terapeutica elegida.

    Realmente não estamos mais no final do seculo XIX, mas ainda existem muitos "Dramas de Angélica" que poderiam ter sido evitados.

    Parabéns pelo post.

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    1. Muito obrigado pelo comentário e pelos elogios. Adorei o termo propedeutocídio. Para quem não conhece, Propedêutica é a Arte/Técnica de abordar e identificar os sintomas e os dados clínicos, como história, exame físico e exames para se chegar a um diagnóstico. Em Psiquiatria, a Propedêutica está um pouco fora de moda. Por favor, comente também sobre o "Drama de Angélica". Pode virar um post, mas não sei o que é. Abç

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  5. Não acho que daria um post, mas a história (com H mesmo) é interessante.
    - O Drama de Angélica é uma música de 1949, originalmente gravada por Alvarenga e Ranchinho e baseada em fatos reais. Um baita dramalhão, mas de fato existiu uma tal Angélica, que possuía uma enfermidade crônica e após varios palpites, finalmente foi a um médico que a diagnosticou corretamente; entretanto, o farmaceutico errou a formula e a moça veio a óbito. Essa moça era conhecida de um dos autores.
    - O interessante, é que essa música foi usada em uma das primeiras campanhas públicas de nosso país sobre concientização dos malefícios da automedicação e a importancia de consultar um médico na obtenção do diagnóstico e tratamentos corretos, do então Ministério da Educação e Saúde, ainda na época do rádio. Coisa raríssima.
    - Mais interessante ainda, é saber que a classe médica da época, repudiou ferrenhamente a campanha, pois a música fora criada por dois capiaus que faziam críticas políticas e não por médicos capacitados a orientar a população. Por pressões dos CRM's (na época ainda não existia o CFM), a campanha nacional foi retirada do ar.

    Quando citei o Drama de Angélica, estava fazendo uma referencia a questão: Diagnóstico correto x Tratamentos adequados X Época (OK, foi no século XX, mas faz um tempão tb).

    Escrevendo esse comentário, me dei conta de outros pontos dessa história, que na minha opinião também fazem certa referencia ao seu post:
    - Arrogância médica, avaliação parcial e/ou superficial de uma situação, "pré-conceitos" (no caso da campanha, capaz de se sobrepor a algo realmente relevante) em troca de uma opinião formada e imutável.
    Acho a psicoterapia uma "coisa" séria demais para ser vista radicalmente sob qualquer linha que seja. Como disse antes, começa com o terapeuta e seu conhecimento e vai se ajustando com o tempo e com os eventos dinamicos inerentes a nossas vidas.
    Parafraseando voce: É necessário respeitar o tempo das coisas.

    Por fim, a ultima relação que vejo, é antagônica a voce, caro Dr., pois a liberdade de expressão que voce permite a todos os leitores/pacientes no seu blog, foi negada a uma dupla de sábios capiaus; que poderíam ter ajudado várias pessoas a buscar a ajuda correta (numa época em que benzedeiras e balconistas de medicamentos eram usualmente consultados como médicos).

    Aqui entra a justificativa de meus elogios: Concordo com o anonimo sobre a confiança ou não, que o terapeuta nos passa. Respeitar alguém é muito fácil, confiar é muito mais complicado.

    Meus elogios são sinceros, justamente por confiar em voce. Voce ama o que faz e faz o possível para ajudar a todos que estão ao seu alcance.

    Abaixo o link da música, em uma versão mais atual e um pouco teatral:
    http://www.youtube.com/watch?v=W4Z_dpc0sKs

    Abs

    Fabio

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